Na primeira crónica de 2018, gostaria de começar por relacionar dois conceitos que estarão em destaque ao longo deste Novo Ano: Cultura de Paz e Património Cultural.
Felizmente, existe cada vez mais a consciência de que uma cultura de paz começa pela valorização e pelo cuidado relativamente ao património cultural.
Quando a memória e o património cultural e histórico ajudam a criar bases de entreajuda e incentivam o diálogo intercultural, incluindo a melhoria da qualidade de vida, com o uso sustentável dos recursos culturais do território, o património cultural torna-se factor de paz e de cooperação.
O coordenador nacional do Ano Europeu do Património Cultural, Guilherme d’Oliveira Martins, referiu que este Ano Europeu permitirá compreender que “a protecção do património cultural, no contexto de uma identidade aberta e plural, e a sua ligação à qualidade da criação contemporânea podem corresponder a uma visão integrada do desenvolvimento, capaz de preservar uma cultura de paz”.
Quando os conceitos se cruzam e entrecruzam tão bem, temos de acreditar que este ano trará a troca de boas experiências com o reconhecimento do património inerente às mais variadas tradições culturais e a transmissão desse património às novas gerações.
Creio que este Ano Europeu do Património Cultural poderá ter um sabor especial para alguns algarvios. Refiro-me ao facto de ter sido assinada em Faro esta Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o Valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea. Foi assinada em 2005, ratificada por Portugal em 2009 e passou a ser conhecida por Convenção de Faro.
A Convenção de Faro
Esta Convenção é considerada um instrumento inovador de grande importância, onde pela primeira vez se reconhece que o Património Cultural é uma realidade dinâmica, envolvendo monumentos, tradições e criação contemporânea. Neste documento é referida a importância da diversidade cultural e o pluralismo, que têm de ser preservados contra a homogeneização que cada vez mais se verifica.
A Convenção visa prevenir ainda os riscos do uso abusivo do Património, desde a mera deterioração a uma má interpretação do próprio património, o que pode levar a conflitos. Há algumas decisões e práticas em relação ao património que geram conflitos, principalmente se estiver em causa a preservação.
A cultura de paz e o respeito das diferenças obriga, no fundo, a compreender de uma nova maneira o Património cultural como factor de aproximação, de compreensão e de diálogo.
É por isso que este será um desafio para que as políticas culturais articulem as iniciativas do Estado e da sociedade, “liguem a protecção do património, a aprendizagem séria, a educação artística, a liberdade criativa e a responsabilidade cívica”.
Compreender o Património como factor de inovação e de criatividade, de paz e de democracia, significa partilha, significa aprender a ser com os outros. Voltando a citar Guilherme d’Oliveira Martins: “o património cultural num sentido amplo, poderá levar-nos a compreender a realidade humana, não como imagem idílica, mas como encruzilhada de vontades e de dúvidas.”
A Cultura de Paz
A afirmação de uma cultura de paz, nestes últimos anos, com base nos discursos adoptados pela ONU e UNESCO não significa que não exista por outro lado uma cultura de violência. Deparamo-nos com ela a cada dia.
É importante fazer uma reflexão sobre a paz como aspiração humana profunda, pois todos queremos a paz, connosco mesmo e com os outros.
Assim sendo, precisamos de interiorizar uma cultura de paz que suponha uma educação para o reconhecimento da pluralidade e da diferença. E que exija ao mesmo tempo uma educação intercultural que promova o diálogo entre diferentes grupos e culturas.
A identidade de um povo passa pela vontade de se manter, de ser diferente sem perder a essência, de fazer um mundo melhor a cada dia!
O Dia Mundial da Paz (instituído por sugestão do Papa Paulo VI, no final dos anos 60), que é celebrado no primeiro dia de Janeiro, é sempre marcado por reflexões que impelem à acção. Gostaria de partilhar uma frase várias vezes mencionada pelo Papa Francisco: “Façamos da não-violência activa o nosso estilo de vida”.
O conceito de não-violência foi usado por Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela. Todos eles são exemplo de como a não-violência é caminho para a paz.
Martin Luther King afirmou que “a não-violência é uma arma poderosa e justa. Realmente, é uma arma única na história, que corta sem ferir e enobrece quem a usa”.
Cimeira das Nações Unidas sobre a Paz realiza-se em 2018
A Cimeira Global sobre a Paz, organizada pelos membros da ONU, representa um marco importante na temática da Paz. O tema escolhido foi: “Cimeira de Paz Nelson Mandela”. A iniciativa será uma ocasião para assinalar o 100º aniversário do nascimento do histórico líder sul-africano, e vai realizar-se no dia 17 de Setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
A ONU através de Cimeiras, Dias Internacionais, Semanas Internacionais, tal como Anos Internacionais e Décadas Internacionais, vai relembrando temáticas para reflexão e acção. De salientar uma das Décadas em vigor até 2022: a Década Internacional para Aproximação de Culturas.
Neste mundo globalizado e globalizante, é urgente trazer ao de cima as aprendizagens de valores. É a partir desses alicerces que se põe em prática uma cultura de paz e à medida que essa cultura vai sendo cimentada impele a uma cidadania mais activa.
Assim, a construção de uma cultura de paz requer uma prática diária com base em valores de paz, de liberdade e de responsabilidade. Uma prática que promova o pensamento crítico e a formulação de propostas para uma sociedade mais activa, onde se inclua a defesa do
património.
Bibliografia:
Francisco, Maria Luísa. (2006). Agenda da Paz. Lisboa: Editora Paulinas
Martins, Guilherme d’Oliveira. (2009). Património, herança e memória. Lisboa: Gradiva
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)