A Universidade do Algarve e a Faculdade de Ciências Humanas e Sociais acolheram no passado mês de outubro o IV Fórum Luso Brasileiro de Arqueologia Urbana. A este propósito desenvolveu-se uma reflexão sobre o assunto da arqueologia urbana no Algarve salientando-se que hoje na região se assiste a uma crescente eficácia dos procedimentos de salvaguarda desenvolvidos no âmbito das operações urbanísticas e de outras iniciativas com impacte no território: seja através de metodologias de caraterização não invasivas (batida de terreno e procedimentos geofísicos) ou pouco invasivas (procedimentos geoarqueológicos), que permitem identificar os vestígios soterrados, seja através de escavações arqueológicas que permitem a caraterização das estruturas arruinadas e contextos a elas associados.
Nessas circunstâncias, a tomada de decisão relativa à preservação física dos vestígios (e eventualmente à sua valorização) ou à sua «conservação pelo registo científico» tem, cada vez mais, por fundamento critérios objetivos e informações concretas, ainda que nem sempre seja assim entendido por alguns agentes do território.
A administração central tem um papel regulador fundamental, ao qual se soma o papel das autarquias na gestão do património arqueológico, prevista nos Planos Municipais de Ordenamento do Território e cuja salvaguarda se encontra preceituada, em alguns municípios (nomeadamente Faro e Lagos) através das Cartas de Sensibilidade Arqueológica (Cartas de Risco) incluídas nos regulamentos municipais de urbanização e edificação. Aliás, a sua eficácia na gestão do território urbano constitui-as como um desiderato e uma ambição que se defende para todas as cidades e principais vilas do Algarve até 2030. Os procedimentos preventivos tornados sistematicamente obrigatórios por lei, e seguindo o princípio do «poluidor-pagador» (neste caso, do «destruidor-pagador»), deram origem na região (tal como em todo o país), desde finais do século XX, a um mercado de prestação de serviços especializados de arqueologia e ao aparecimento de uma atividade privada de caráter comercial, com um apreciável volume de negócios e um crescente número de profissionais envolvidos.
Constrangimentos à arqueologia no espaço urbano
Há dois constrangimentos evidentes nos processos de arqueologia urbana:
i) ao nível da produção e difusão do conhecimento – mesmo naqueles casos em que a intervenção se limita a uma tarefa exclusivamente técnica, deve resultar da intervenção dos arqueólogos a utilidade científica dos dados obtidos e a produção de conhecimento. Contudo, se convertida em atividade puramente comercial, uma deficiente prática do exercício da arqueologia pode prejudicar a qualidade do conhecimento científico produzido. Mas de pouca utilidade será acrescentar novas informações e produzir conhecimento se este não for partilhado: tornando os dados acessíveis à comunidade científica mas também divulgando-os fora do restrito círculo dos profissionais da arqueologia. Isto é, devolvendo o conhecimento à comunidade.
ii) ao nível do arquivo e conservação dos espólios – Os espólios arqueológicos resultantes dos numerosos trabalhos arqueológicos efectuados, considerados legalmente «património nacional», encontram-se frequentemente sob responsabilidade dos arqueólogos e/ou empresas de arqueologia responsáveis pela realização dos trabalhos arqueológicos. São largos milhares de contentores, que os museus deveriam receber em depósito, «devidamente tratados, inventariados, acondicionados e referenciados, acompanhados da documentação produzida no decurso dos trabalhos de campo e de gabinete, indispensável ao seu manuseamento e compreensão», conforme determina o Decreto-Lei n.º 164/2014, de 4 de novembro.
Acontece que a maioria dos museus aptos para receber esses espólios não possui instalações adequadas para tal ou espaço disponível. No Algarve, mais concretamente, equaciona-se a criação de uma Reserva Regional de Arqueologia – ou de uma rede de reservas – que possa acolher a totalidade desses espólios e arquivá-los de forma a poder disponibilizá-los à investigação e, assim, torná-los socialmente úteis.
Os centros de estudo e as universidades enquanto pólos de reflexão, de investigação e de geração e de difusão de conhecimento, que têm tido no caso particular da Universidade do Algarve uma parceira privilegiada de grande saliência na arqueologia, na zooarqueologia e também na geoarqueologia e na arqueologia subaquática, entre outras, têm-nos ajudado a conhecer melhor a evolução humana e o nosso território.
As temáticas, a multidisciplinaridade do conhecimento convocado, os oradores e os vários modelos de partilha da investigação que integraram o diagnóstico da situação actual da arqueologia urbana encontraram ainda questões difíceis para responder: Arqueologia para quem? Que arqueologia? Que técnicas utilizar? Com que critérios se definem os trabalhos arqueológicos necessários? De quem é a responsabilidade do espólio? Entre outras, que só com a partilha de conhecimento irão conhecendo respostas.
(Artigo publicado na edição papel do Caderno Cultura.Sul de Novembro)