Devia ter dez anos e tinha acabado de entrar para a escola preparatória quando o episódio se deu. Um colega, sem fazer a mínima ideia do que estava a fazer, levantou o braço em plena aula e esticou a mão para a frente, à boa maneira nazi. O professor, muito calmo, interrompeu a aula e perguntou-lhe se ele conhecia o significado de tal gesto. Depois imprimiu uma dignidade e emoção tão grandes à explicação, que todos nos prendemos às suas palavras. Não sei se foi nesse dia que ouvi falar pela primeira do Hitler, dos judeus perseguidos, dos horrores do nazismo e suas ideologias. Mas sei que me ficou para sempre na memória a sensação de incredulidade que aquela aula me trouxe.
Tinha dez anos e não consegui entender como podia tal monstro ter existido, e pior: ter sido cegamente seguido por tantos.
Seguiu-se o percurso normal: as leituras (três ou quatro se bem recordo) do Diário de Anne Frank, as ‘entrevistas’ a todos os ‘mais velhos’ que me pudessem explicar melhor o holocausto; o escutar horrorizado de narrativas em primeira mão que consegui de estrangeiros… E depois a queda do muro de Berlim; a alegria e a esperança de que a Alemanha, a Europa e o Mundo tivessem aprendido com tais aberrações; a sensação de tranquilidade (quão inocentes podemos ser na juventude…) e confiança de que o Homem não voltaria a permitir tais monstruosidades.
É pena não termos dez anos para sempre.
Ou então não.
Ou então ainda bem que crescemos e percebemos que os monstros do passado, que acreditávamos extintos, deambulam ainda entre nós, crescendo e tomando uma força que jamais julgamos que voltasse a ser possível.
É. Ainda bem que crescemos e que, em vez de nos esgotarmos em inocências e esperanças, passamos a ter a capacidade de agir.
Espero que muitos dos loucos que têm recomeçado, por esse mundo fora, a reabilitar os monstruosos desvalores nazis, sejam como o meu colega de aula dessa manhã tão distante: seres inconscientes do que proclamam por mera estupidez ou ignorância, reabilitáveis portanto em caso de esclarecimento.
Quanto aos outros, os esclarecidos convictos… bem, que tenhamos todos calma e força para, um por um, lhes irmos mudando as convicções.
Boa sorte, amigos, e coragem, porque cada vez mais me convenço que temos mesmo de começar a tentar salvar o Mundo.