Desafiaram-me a escrever um texto sobre a Europa e o meu sentir pessoal sobre como a atual crise afeta o sonho europeu. Como para muitos textos, hesitei, comecei pelo princípio, comecei pelo fim e depois, olhando a Ria Formosa, num final de tarde, decidi contar-vos a minha experiência profissional que é indissociável da Europa.
O sonho europeu
Quando comecei a minha atividade profissional a Europa era, para nós, em Portugal, ainda um sonho, o sonho europeu.
Bruxelas, Schuman. A primeira reunião em que participei – já a adesão estava concretizada e o sonho alargado a mais Estados Membros -, em 1992, era uma reunião do Grupo de Trabalho Científico da CITES, Convenção de Washington, sobre o Comércio de Espécies [da flora e da fauna] Ameaçadas de Extinção para preparar um Conferência das Partes contratantes (COP) num ano em que Portugal tinha a Presidência da União Europeia. Percebi, nessa COP, a importância de ser Europa e aprendi a reconhecer a diversidade dentro da Europa. Continuei a acompanhar esta Convenção e a participar em diversas reuniões, no âmbito da Diretiva Habitats, do Grupo de Trabalho de Peritos em Biodiversidade, e a trazer os seus resultados para implementar a nível nacional. Preparar a Rede Natura 2000, trabalhar no desenho de áreas protegidas, avaliar impacte ambiental de atividades sobre a natureza…. em tudo isso estava presente o espírito da Europa.
Em 2000, numa outra COP CITES, várias vezes comecei as minhas intervenções por “Em nome da União Europeia e dos seus Estados Membros…” e, sim, nessa reunião, pela posição de liderança que Portugal tinha com a Presidência da União Europeia, senti, sem dúvida, a pressão do sonho europeu e de mostrar ao mundo que somos uma Europa unida. Como articular posições? Como construir consensos? Mesmo quando o tema é a natureza, motivo que nos parece óbvio e reunir o interesse de toda a Europa, há posições distintas.
Participei numa terceira Presidência da União Europeia (2007), diversas reuniões, temas, deixo dois destaques (1) a iniciativa “Business Biodiversity” que na sequência de uma notificação da Convenção da Biodiversidade, Portugal desenvolveu, com a Alemanha e a Eslovénia, e reuniu na Fundação Gulbenkian mais de 400 participantes de todos os setores empresariais e da área da biodiversidade numa convergência inimaginável nos anos 80 e (2) a reunião de Diretores Gerais de Conservação da Natureza, de toda da União Europeia, com uma agenda onde se debatia a governança da Comissão Europeia nesta área.
Quem me conhece sabe que não perderei esta oportunidade de falar no lince-ibérico, espécie que à data era o felino mais ameaçado do mundo e cuja tendência de extinção foi invertida, com o apoio, entre outros, do Iberlince, projeto liderado por Espanha e cofinanciado pelo LIFE, instrumento financeiro europeu.
Passados anos, já dedicada à Agenda Regional para a Economia Circular no Algarve, voltei a contactar a Comissão Europeia para participação num Seminário sobre a temática aqui na região e o apoio da Comissão foi imediato; o tema estava no topo da agenda e aí continua: um novo Plano de Ação Europeu para a Economia Circular acabou de ser aprovado em março de 2020, focado na utilização sustentável dos recursos e nos setores de maior impacto e que prevê a redução da pegada ambiental na nossa produção e consumo.
Também o Pacto Ecológico Europeu faz sonhar com uma Europa sustentável que toma a liderança global da descarbonização, da qualidade ambiental, do restauro dos ecossistemas e da conservação da biodiversidade, que procura uma agricultura mais amiga do ambiente, que mobiliza a indústria para economia mais circular, que catalisa inovação e investigação científica que procura financiar uma transição de forma justa.
O último parágrafo termina com uma palavra que conduz aos conceitos e recorda que os objetivos da União Europeia são: promover a paz, os seus valores (Dignidade do ser humano; Liberdade; Democracia; Igualdade; Estado de Direito e Direitos humanos) e o bem-estar dos seus cidadãos; garantir a liberdade, a segurança e a justiça, sem fronteiras internas; favorecer o desenvolvimento sustentável, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, uma economia de mercado altamente competitiva, com pleno emprego e progresso social, e a proteção do ambiente; lutar contra a exclusão social e a discriminação; promover o progresso científico e tecnológico; reforçar a coesão económica, social e territorial e a solidariedade entre os países da EU; respeitar a grande diversidade cultural e linguística da EU; estabelecer uma união económica e monetária. Este é, pois, o sonho europeu!
9 de maio de 2020, quão profundamente terá a Europa sido afetada por um vírus? Está preparada para reagir? Qual a resiliência que demonstra?
Lamentando a perda de tantas vidas humanas acredito que a Europa conseguirá superar esta crise com inovação e investigação científica, com novos empregos, com uma estratégia de crescimento de longo prazo onde a biodiversidade, os serviços prestados pelos ecossistemas, a qualidade ambiental e o bem-estar de todos os europeus são tomados em consideração.
O modelo usa e deita fora já, que nem “chiclete”, está em desuso; a transição deste modelo linear para o circular está em curso em todos os Estados-Membros. O recurso a energias limpas é meta para descarbonização e a transição digital que parecia remota até aos dias do confinamento e do teletrabalho, é um fluxo que não mais poderemos nem quereremos parar pois percebemos o quanto é essencial, o quanto importam os dados e a digitalização.
Se o sonho europeu foi afetado pela crise? Sim. Se a Europa e o mundo aproveitam a oportunidade para reforçar a sua resiliência é uma interrogação que espero poder confirmar positivamente. O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, sobre este tema recomendava, há poucos dias, que os dinheiros públicos deveriam ser usados para investir no futuro, não no passado, e ser direcionados para sectores e projetos sustentáveis que apoiem o ambiente e o clima. A cooperação internacional e a ajuda ao desenvolvimento não deverão ser esquecidas por uma Europa, que com o pacto ecológico europeu para uma justa transição, estava já numa trajetória de mudança que deverá ser acelerada e consolidada reforçando o sonho europeu, o sonho de todos nós.
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