Se está a ler este texto, é muito provável que seja uma pessoa curiosa. Perante uma informação ambígua ou incompleta (como a frase que dá título a este artigo) a curiosidade insta-nos a procurar saber mais. É justamente sobre esse estranho ímpeto que este texto se debruça. Sobre aquele curioso instinto que, segundo Eça de Queiróz, “leva, por um lado, a escutar às portas e, por outro, a descobrir a América”. Os resultados num e noutro caso, ainda que tão diferentes no mérito, parecem ter um estímulo comum: não mais que um vazio, uma lacuna, um hiato entre aquilo que se sabe e aquilo que (ainda) não se sabe e pretende saber.
A aventura do desconhecido
Considere por exemplo a charada “o que é que está sempre a caminho, mas nunca chega?”. A menos que já conheça a resposta, por esta altura estará a experienciar aquilo que alguns investigadores designam por privação. Este é um aspeto porventura menos simpático da curiosidade e que se manifesta por alguma inquietação ou até irritação pela incerteza. Quem já experimentou a sensação de ter uma resposta na ponta da língua sem conseguir aceder a essa memória conhece bem esta privação.
A propósito, a resposta à charada é “o amanhã”. E, curiosamente, a ideia de amanhã representa também uma forma de privação, algo que nunca se alcança nem se conhece. Para algumas pessoas, pensar no amanhã, tal como esperar pela resposta a uma charada, pode ser particularmente inquietante. A isto o psicólogo Arie Kruglanski deu o nome de necessidade de resolução (need for closure). Trata-se de uma tendência ou propensão para procurar respostas e ter certezas, preferir a previsibilidade e evitar a ambiguidade. Mas essa não é a única componente da curiosidade.
O segundo elemento que motiva a curiosidade humana é a propensão para a descoberta. Ao contrário do elemento de privação que pode ser vivido como uma forma de desconforto perante a imensidão do desconhecido, a motivação de descoberta faz com que o desconhecimento seja visto como uma oportunidade de explorar, descobrir mais e expandir conhecimento (a aventura do desconhecido). No seu conjunto a privação e a descoberta são modos de experienciar a curiosidade que levam a que se procure aprender mais.
A curiosidade matou o gato?
Uma das principais funções da curiosidade é precisamente a sua capacidade de motivar a aprendizagem. É por isso um aspeto bastante valorizado na educação dos mais novos. Nos primeiros anos de vida, quase tudo é desconhecido e é necessário que a curiosidade seja dirigida para aquilo que é mais relevante. Por exemplo, nos bebés, a atenção tende a ser dirigida para áreas de maior contraste visual (que indicam o contorno de objetos), para movimentos ou para faces. À medida que o mundo se torna mais familiar, a atenção passa a dirigir-se sobretudo para aquilo que é novo.
O famoso investigador russo Ivan Pavlov foi um dos primeiros a notar que quando alguma mudança acontece no ambiente, como um ruído ou movimento súbito, quer pessoas quer animais orientam automaticamente a sua atenção para identificar a origem ou causa dessa “novidade” (aquilo que ficou conhecido como reflexo o-que-é). O interesse pelo que é novo parece assim ser uma das formas primitivas da curiosidade, que começa nos aspetos mais simples, como o bebé que observa um objeto que de súbito se movimenta, até aos mais complexos, como o cientista que se apaixona por uma nova e fascinante questão.
Ainda que na infância a curiosidade pareça borbulhar de forma particularmente intensa (lembre-se, por exemplo, a “idade dos porquês”), é possível e desejável ser-se curioso ao longo da vida. Alguma investigação mostra que a curiosidade pode diminuir nos adultos mais velhos, por exemplo em aspetos como o interesse por adquirir novos conhecimentos, saber mais sobre outras pessoas ou até sobre si mesmos. No entanto, ser curioso parece ter vantagens à medida que se envelhece. Alguma investigação revela que a manutenção de atitudes relacionadas com a curiosidade, como a abertura à experiência e a procura de estímulo intelectual, parecem associar-se a melhor desempenho cognitivo, melhor memória e menor perda de volume de massa cinzenta. Para além disso, a curiosidade tem sido associada a maior bem-estar, satisfação com a vida e capacidade de regular emoções.
Neste, como noutros casos, a sabedoria popular não encontra necessariamente respaldo da ciência. Em contraste com a ideia de que a “curiosidade matou o gato”, a evidência parece demonstrar que, da infância à velhice, a curiosidade é um motor da descoberta e do desenvolvimento. Talvez todos possamos beneficiar de abdicar de algumas certezas para continuar a abraçar questões.
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