Recentemente foram criadas em Faro duas peças escultóricas pelo artista Bordalo II, ambas representando um Cavalo Marinho, encontrando-se uma no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve e outra no Parque de Campismo da Praia de Faro.
Bordalo II é um dos principais artistas portugueses em arte urbana, tendo já mais de 200 obras escultóricas espalhadas pelo mundo. Inclusivamente, a sua obra “Owl Eyes” (“Olhos de Mocho”), na Covilhã, foi destacada pela Street Art News como uma das 25 obras de arte urbana mais populares do mundo, em 2014.
Artur Bordalo assina assim pois é neto do pintor Bordalo. Faz do espaço público a sua tela e utiliza lixo ou desperdício como matéria prima para construir obras/instalações/composições de grande dimensão com uma consciência ambiental. Sendo artista plástico, define-se como “artivista”, ao usar a arte como instrumento de consciencialização pública em torno de causas ambientais.
No processo de produção das suas obras, o autor recolhe materiais, corta, adapta o material recolhido, monta a peça, fixa-a no sítio onde vai ficar e, se for o caso, pinta-a. Estas peças são desenvolvidas maioritariamente com a utilização de plásticos de alta densidade, que já não servem para aquilo a que se destinavam.
Conforme refere o próprio: “todo o lixo que eu utilizo é por causa do nosso dia a dia e da forma como nós não sabemos gerir os recursos, o próprio planeta, de forma sustentável (…) A ideia que eu tenho é de criar imagens das vítimas da poluição e da ação do homem exatamente com aquilo que os destrói, com aquilo que os mata. O mundo está a ser destruído e eu estou a criar imagens com aquilo que o destrói, com aquilo que destrói a natureza, que a vai degradando.”
À distância vemos imagens, sobretudo de cenas urbanas ou animais, mas aproximando-nos surgem torneiras, bocados de uma mangueira, um telemóvel, uma calculadora, pedaços de casacos peludos, pneus, plástico, entre outros elementos.
Todo o material que compõe as peças maiores é aparafusado ou soldado, e assenta num suporte, embora nas peças mais pequenas seja utilizada cola, numa técnica mista.
As suas obras pretendem chamar a atenção para as problemáticas da sociedade materialista, do consumismo exagerado e dos desperdícios derivados do mesmo.
Em artigos anteriores fizemos referências aos trabalhos de Bordalo II, em particular no artigo “Pode a arte emergir do lixo?”, em que referimos o seguinte: “Esperemos que a arte possa ajudar a que as pessoas tomem consciência da importância do seu comportamento para a preservação do ambiente, em particular para a necessidade de não desperdiçarmos e para a separação do lixo, permitindo a reciclagem e a reutilização dos materiais.”
Mas,a preservação do ambiente está diretamente ligada à biodiversidade e à preservação das espécies, podendo também a arte contribuir para consciencializar a população para a necessidade dessa preservação, visto que o comportamento humano é o principal fator de problemas ao nível da sobrevivência de outras espécies no planeta.
É o que acontece com a espécie Cavalo Marinho, um ex-líbris da Ria Formosa, tendo-se verificado uma diminuição drástica no seu número nos últimos anos.
No sentido de para a recuperação e conservação do Cavalo Marinho na Ria Formosa foi desenvolvido o projeto HIPPOSAVE, com base em investigação desenvolvida pelo Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve. Pretende-se avaliar o estado atual das populações de cavalos-marinhos, criar zonas de santuário e zonas de proteção e ainda produzir cavalos marinhos em cativeiro para repovoamento em áreas protegidas. Fruto de uma campanha de sensibilização junto da população local, promovida pelo CCMar, em conjunto com a Fundação Oceano Azul, a Autoridade Marítima, os municípios envolvidos, o Instituto da Conservação da Natureza e a Agência Portuguesa do Ambiente, foi possível criar duas zonas protegidas na Ria Formosa, onde os cavalos-marinhos terão todas as condições para prosperar.
As obras de Bordalo II recentemente construídas no Parque de Campismo de Faro e no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, ambas representando um Cavalo Marinho, com cerca de 10 metros de altura, pretendem contribuir para a necessidade de consciencializar para a importância de preservar esta espécie.
Uma destas obras situa-se na Universidade do Algarve, onde é desenvolvido o conhecimento, e a outra situa-se na Praia de Faro, que faz parte da Ria Formosa, onde se desenvolve esta espécie.
Apesar de representarem a mesma personagem, as duas obras utilizam técnicas artísticas distintas.
O cavalo-marinho, construído no depósito de água do Parque de Campismo da Praia de Faro, inclui-se na série “Big Trash Animals”, girando à volta da representação de animais em grande escala, construídos quase exclusivamente de lixo, com o objetivo de provocar um olhar diferente sobre os nossos hábitos de consumo.
Já a obra presente no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve inclui-se na série “Neutral”, onde o artista utiliza materiais descartados como matéria-prima, numa base de madeira texturada reaproveitada. Depois são acrescentadas camadas de tinta, algumas esfumadas, pinceladas, escorrimentos e salpicos até conseguir a expressividade do animal representado e as suas cores naturais. O objetivo é, como habitualmente na obra do artista, gerar representações dos animais quase de forma a camuflar o que os destrói e criar uma imagem mais realista.
Esta terá sido a segunda obra construída por Bordalo II numa Instituição de Ensino Superior, contribuindo para a imagem moderna e internacional da Universidade do Algarve.
Esta articulação entre a investigação e a sua aplicação prática é fundamental e esperamos que este seja um exemplo a seguir em relação à preservação de outras espécies ameaçadas na Ria Formosa, nomeadamente o Camaleão, podendo a arte ajudar na consciencialização para a importância da preservação das espécies e do papel essencial que a investigação pode ter neste processo.