Ilusões visuais – em maior ou menor grau, todos nós já fomos expostos a estes curiosos e fascinantes fenómenos, seja num livro, numa qualquer página da internet ou ainda num artigo partilhado nas redes sociais. As linhas, asseguram-nos as breves descrições que acompanham as ilusões, são na “realidade” paralelas e não curvas, como aparentam. Os círculos têm na “realidade” o mesmo tamanho, apesar de um deles parecer maior. Os dois quadrados são na “realidade” da mesma tonalidade de cinzento, apesar de parecerem distintos (como na imagem à esquerda). Os dois cilindros têm na “realidade” o mesmo tamanho (imagem à direita). Enfim, e para terminar com um exemplo que recentemente atraiu alguma atenção, o vestido é na “realidade” azul e preto, não branco e dourado como aparenta para algumas pessoas. Quando acompanhadas de uma explicação, as demonstrações de ilusões visuais tendem a enfatizar a discrepância entre o que julgamos ver e a “realidade objectiva”, aquilo que “realmente” existe na imagem, sendo a conclusão que os nossos olhos não são fidedignos ou de confiança. Mas será realmente assim? Serão as ilusões visuais a prova definitiva de que a “realidade” está para além da nossa apreensão? Se a nossa percepção erra nestes casos, o que nos garante que não erra sempre? Em suma, o que nos dizem realmente as ilusões visuais?
Para responder a estas questões importa, antes de mais, compreender que o termo “ilusão” não é mais que um mero rótulo descritivo que veicula muito menos do que aparenta. Definir algo como “ilusão” é tão somente realçar uma discrepância entre o que percepcionamos e… alguma outra coisa. Explicitar o que se entende por “alguma outra coisa” é, quer se tenha ou não noção disso, fazer um compromisso com o que se entende ou se toma como a “realidade” – daí que no parágrafo anterior a palavra tenha sido sistematicamente apresentada entre aspas. Frequentemente, nas apresentações populares de ilusões visuais, por “alguma outra coisa” entende-se implicitamente aquilo que é medido de uma determinada forma (com uma régua, com um fotómetro, etc.), tido por sua vez como um indicador objectivo de uma “realidade” unívoca. Que a nossa percepção não é fidedigna é uma conclusão que depende criticamente desta assunção. Por exemplo, na imagem à esquerda (conhecida como “ilusão de Adelson”) os quadrados A e B possuem o mesmo brilho – mas perceptivamente o quadrado B parece mais escuro. Que ambos possuem exactamente o mesmo brilho pode ser confirmado com um fotómetro para medir as respectivas luminâncias (ou, visualmente, tapando toda a imagem excepto os dois quadrados usando uma folha de papel com dois buracos). Determinar que esta é uma “ilusão” é aceitar que a “realidade objectiva” é dada exclusivamente pela luminância ou intensidade de luz emitida por uma superfície (neste caso, pelos quadrados da imagem). Mas a luminância de uma superfície é apenas uma de várias características físicas dos objectos do mundo e, por sinal, nem sempre a que mais informação traduz sobre esses. Uma outra propriedade física dos objectos é a sua reflectância: a proporção de luz que é reflectida pelos objectos e que depende, criticamente, do material de que esses são feitos. Escolher arbitrariamente uma ou outra propriedade física como representando “a realidade objectiva” é ignorar o propósito da própria percepção visual. Se se considerar a reflectância dos quadrados no tabuleiro de xadrez, podemos de igual forma dizer que a nossa percepção afinal não se deixa “enganar” pela sombra do cilindro presente na imagem – apesar de que esta resulta em que a intensidade de luz do quadrado A seja igual à do quadrado B, percebemos que a superfície de ambos (a sua reflectância) é distinta. Pela mesma razão, uma folha branca não parece mudar de cor quando vista à sombra, ou à luz de velas, ou com uma lâmpada de tungsténio. Um outro exemplo: na imagem à direita os dois cilindros têm o mesmo tamanho, se se considerar o seu comprimento tal como medido com uma régua – mas objectos mais distantes projectam nos nossos olhos imagens mais pequenas. Nesta imagem, a nossa percepção parece ter em conta as pistas que sugerem uma diferença na distância relativa das figuras (corredor quadriculado), levando a que aquele que parece mais distante pareça também maior. Pela mesma razão, não vemos uma pessoa a encolher de tamanho quando essa se afasta de nós, apesar de a sua imagem projectada nos nossos olhos se tornar menor. Em ambos os casos a nossa percepção parece recorrer a um mecanismo similar – ter em conta a distância percebida para percepcionar o tamanho – e é apenas por uma escolha mais ou menos arbitrária da dimensão física a tomar como a “realidade”, que marca que uma, mas não a outra, seja tida como “ilusão”.
O estudo científico da percepção visual tem vindo progressivamente, e ao longo de já mais de um século, a compreender melhor os mecanismos neuronais que suportam a nossa percepção visual e, consequentemente, a reconhecer a inadequação do termo “ilusão” ou da distinção entre esta e “percepção verídica”. Ainda que nem todas as “ilusões” conhecidas sejam tão bem compreendidas como estas, é relativamente consensual que estes fenómenos revelam a forma como o nosso cérebro capta informação do mundo, frequentemente aquela que mais relevância tem para as nossas actividades do dia-a-dia e não, como muitas vezes sugerido, que a nossa percepção falha em captar a “realidade objectiva” e que, portanto, não é fidedigna. O interesse pelo estudo científico das “ilusões” não é, pois, que a percepção falha ou que é imprecisa, mas sim que a percepção está a fazer o que é suposto fazer no contexto no qual evoluiu, o tipo de mecanismos que usa e o tipo de informações em que se baseia. (Para explorar e saber mais sobre outras “ilusões visuais”, ver a página mantida por Michael Bach em http://www.michaelbach.de/ot/; anualmente é feito um concurso para eleger a ilusão do ano – o vencedor de 2017 será anunciado em http://illusionoftheyear.com/, onde também poderão ser vistas as melhores ilusões de
* Professor Auxiliar Convidado no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro