Setembro é um mês de recomeço. Por norma, o início do ano letivo entra na vida da maioria das pessoas através dos anúncios dos descontos e das promoções dos mais diversos produtos, das listas infindáveis de material escolar, de dicas de poupança ou até de créditos em várias instituições financeiras para lidar com este tipo de exigências. Este é um reflexo muito claro da sociedade de consumo em que vivemos que pode afastar a nossa atenção daquilo que é essencial para uma adequada (re)adaptação e para o sucesso da aprendizagem dos alunos. Claro que a preparação do material escolar é uma tarefa importante neste processo, mas ele é marcado também por outros desafios, em particular o de lidar com alguma(s) ansiedade(s).
Na verdade, todas as pessoas experimentam este sentimento quando estão perante situações novas que exigem um processo de adaptação ou que são percebidas como stress ou ameaça. Assim, é normal que perante o início do ano letivo, e face a algumas mudanças nas rotinas diárias, miúdos e graúdos experimentem alguns sinais físicos e psicológicos de ansiedade.
No início do ano letivo é frequente observar o choro nas crianças mais pequenas, a agitação nas crianças mais velhas ou ainda a timidez nos adolescentes. Estas e outras reações são absolutamente normais e podem ser, mais ou menos, intensas consoante as situações. Mas, na maioria dos casos, após um período normal de adaptação é esperado que a ansiedade ou a ambivalência sentida pelos alunos dê lugar ao entusiasmo, à curiosidade, ao desejo de aprender e de conviver com os colegas. Mas serão apenas os alunos aqueles que sofrem de ansiedade? Não.
No contexto atual que atravessamos, aos desafios expectáveis de um processo de adaptação desta natureza junta-se alguma instabilidade relacionada com a falta de alguns professores em muitas escolas e com um calendário de greves já anunciado. Assim, também os pais, em especial aqueles que assistem, pela primeira vez, à integração dos seus filhos na escola ou à mudança de estabelecimento de ensino, podem confrontar-se com factores de stress adicionais e sofrer de ansiedade.
E os professores, que aguardam com expectativa a sua colocação e que são, várias vezes, sujeitos a uma deslocação do seu habitual local de residência, a uma necessidade rápida de procura de casa e ao afastamento da sua família, não viverão eles próprios situações de stress com impacto relevante na sua vida? Como sabemos, a região do Algarve é uma das zonas em que existe mais falta de professores e onde a tarefa de conseguir arrendar uma casa a um preço justo é, cada vez mais, hercúlea.
Todas estas vivências podem desencadear conhecidos efeitos da ansiedade no nosso corpo e na nossa mente. Apesar de se tratar de um fenómeno de origem psicológica, a primeira porta de entrada da ansiedade costuma ser o nosso corpo através de um conjunto de sinais, tais como tensão muscular, dor de cabeça ou noutras partes do corpo, batimento cardíaco acelerado, náuseas e vómitos, vontade frequente de ir à casa de banho, dificuldade em dormir, sensação de “borboletas no estômago”, alterações na qualidade do sono ou no apetite. Na maioria das vezes, estes sinais físicos surgem associados a alguns sinais psicológicos sob a forma de preocupações, nervosismo, receios ou medos, irritabilidade e falta de paciência, dificuldade em relaxar, diminuição da capacidade de concentração e dúvidas sobre a capacidade de sermos bem sucedidos.
Mas, se é verdade que a ansiedade pode trazer algumas sensações desagradáveis, desconforto e até mal-estar, também é verdade que tem uma função importante: proteger-nos! A ansiedade faz com que possamos estar mais atentos e alerta e, logo, mais vigilantes e disponíveis para adoptar comportamentos de protecção e adaptar-nos à situação de modo a promover a nossa segurança (e a dos outros). Por isso, a boa notícia é que a ansiedade pode ser útil e desaparece cumprida a sua função.
Sabemos que estas reações são normativas, ou seja, acontecem à maioria dos indivíduos, e que estes passam por elas de forma saudável, lidando com as exigências da realidade, mobilizando os recursos disponíveis (internos e externos) e ultrapassando os obstáculos. No entanto, para alguns a ansiedade permanece, afetando a gestão da vida quotidiana, a aprendizagem, o desempenho profissional ou a sua saúde. Em casos mais extremos, as pessoas podem ter dificuldade em sair de casa, podem ficar muito pessimistas, apresentarem isolamento social ou até experienciarem ataques de pânico sem razão aparente.
O regresso às aulas ou a entrada na escola é um processo de (re)adaptação exigente, como se fosse uma espécie de um caleidoscópio em constante movimento. Este aparelho óptico, formado por um único tubo, produz múltiplos efeitos visuais que dependem da conjugação de, pelo menos, três espelhos sensíveis ao movimento e ao reflexo da luz. Tal como o caleidoscópio, o início do ano letivo envolve diferentes perspectivas – crianças, adolescentes, pais, docentes e não docentes – que respondem de forma diferente à situação e que, ao mesmo tempo, são interdependentes entre si. Neste arranque do ano letivo é importante reconhecermos que a ansiedade não é um fenómeno exclusivo dos alunos, que a forma como os adultos vivenciam a sua própria ansiedade influencia a forma como os mais novos também o fazem e que todos quantos lidam com este estado devem ser respeitados na forma como o fazem.
No entanto, infelizmente, ainda é frequente o estigma de que sentir ansiedade é sinal de fraqueza ou inferioridade ou é motivo de vergonha ou culpa. Nada disto é verdade, pois todos, independentemente da idade, situação social ou características individuais, sentem ansiedade em diversos momentos ou fases da vida.
Sabemos que a ansiedade é um ciclo e que o primeiro passo para lidar com a ela é aceitá-la como parte da nossa experiência, partilhar com amigos e familiares o que estamos a sentir e como estamos a viver a situação, tentando identificar as estratégias mais eficazes para diminuí-la.
Podemos tentar concentrar-nos no aqui e no agora, identificar os pensamentos que nos estão a perturbar e procurar cenários alternativos, procurando adoptar pensamentos realistas e uma atitude mais positiva. Devemos evitar gastar energia com aquilo que não podemos controlar, identificando o que podemos fazer e o que está ao nosso alcance. E, sobretudo, procurarmos encarar a experiência como uma oportunidade de crescimento pessoal.
Mas se os sentimentos de inquietação forem excessivos e persistentes, se a pessoa se sentir completamente sobrecarregada e desgastada pela ansiedade, se este estado se estender durante um longo período, se estiver a impedir a pessoa de funcionar e de fazer uma rotina diária, ou se a pessoa sentir que está a perder o controlo é importante pedir ajuda.
Nas crianças e nos adolescentes as expressões de uma ansiedade mais preocupante podem ser a recusa em ir às aulas, tristeza ou choro frequente e inexplicável, irritabilidade, dificuldades de concentração e de atenção, queixas físicas recorrentes sem causa médica identificada, alterações significativas no sono ou no apetite. Nestes casos, pode procurar a ajuda de um especialista ou ligar para a Linha de Aconselhamento Psicológico SNS24.
Para mais informações:
https://www.sns24.gov.pt/servico/aconselhamento-psicologico-no-sns-24/#
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