I
Deverão a Europa, no seu todo e a Ucrânia, em particular, na pessoa de Zelensky, participar nas negociações que estão a ter lugar entre os EUA e a Rússia visando-se pôr termo ao conflito militar que em terras ucranianas e, também, russas vem ocorrendo?
Talvez não, se considerarmos que o mesmo nunca foi, verdadeiramente, um conflito entre a Ucrânia e a Rússia, mas sim entre os EUA dum Biden e esta, em disputas geoestratégicas, económicas e energéticas, com aqueles utilizando os ucranianos como simples carne para canhão e a Europa como sua mera serviçal.
Depois, para além de se perguntar quem, exatamente, deveria representar a Europa (há países que não fazem parte da União Europeia, para se dizer que poderia ser um António Costa, uma Úrsula Van der Leyen ou uma Kaja kallas), como pretender que os russos aceitassem, sem mais, tê-la à mesa das negociações, quando já foram enganados por uma Alemanha e uma França, nas pessoas duma chanceler Merkel e dum presidente Hollande, nos dois acordos de Minsk por eles subscritos, já que nunca tiveram intenção de os respeitar, mas, apenas, dar tempo à Ucrânia para esta se armar, como os próprios vieram, recentemente, a reconhecer?
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Jurista
À falta de melhor, Zelensky procura agora legitimar a sua permanência no poder, não com base em escrutínio eleitoral, mas em sondagens
Quanto a Zelensky, que legitimidade terá ele para nas mesmas negociações participar, quando há muito viu terminado o seu mandato como presidente da Ucrânia, sendo que a Constituição ucraniana determinará que, na impossibilidade de eleições para o dito cargo, exercê-lo-á, até elas poderem ter lugar, o presidente do respetivo Parlamento? Quem poderia garantir que, subscrevendo Zelensky um qualquer acordo, não viria o mesmo, amanhã, a ser posto em causa por quem lhe sucedesse, com o argumento, precisamente, de que ele o fizera sem ter legitimidade para isso?
Entretanto, à falta de melhor, Zelensky procura agora legitimar a sua permanência no poder, não com base em escrutínio eleitoral, mas em sondagens, que, diz, mostrarão quanto o povo ucraniano com ele continuará a estar!
Não fosse, desgraçadamente, todo o drama vivido no conflito em causa, feito de destruição e morte, do lado de cá e de lá das respetivas trincheiras, e dir-se-ia que certos atores a ele associados mais farão lembrar personagens de uma ópera bufa!
II
Tempos atrás, conhecido comentador televisivo, debatendo com outros a figura da presunção de inocência contemplada na nossa Constituição, afirmava, do alto do seu saber, que se observasse, por exemplo, alguém com uma arma na mão dando um tiro noutrem, o aparelho judiciário, com as suas regras processuais, bem o poderia presumir inocente até sobre ele recair uma sentença condenatória com trânsito em julgado, agora o que não se podia pedir é que ele, enquanto cidadão, o presumisse, igualmente, inocente, quando, com os seus próprios olhos, o vira disparar a arma!
Uma verdade inquestionável, próprio dum senhor de La Palisse, ser-se-á tentado a reconhecer.
Mas será, efetivamente, assim?
Imaginemos, então, que constituído arguido o atirador em causa, depois acusado e levado a julgamento, já na decorrência deste, através de testemunhos vários, entretanto, arrolados pela respetiva defesa, se se vem a apurar que o arguido, efetivamente, sobre outrem atirara, mas que o fizera, apenas, porque se sujeitando a uma sessão de hipnotismo em ambiente que tinha como recreativo, quem o hipnotizara acabara por se aproveitar da sua condição de subordinação a ele e lhe pôs uma arma na mão, ordenando-lhe, de seguida, que saísse com ela à rua e atirasse sobre a primeira pessoa que encontrasse?
Continuaria o nosso comentador a exigir a condenação do arguido, à luz do que os seus próprios olhos haviam observado?
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