Por Cultura entende-se o conjunto de valores espirituais e conhecimentos técnicos, que ao longo da história integram o quotidiano das sociedades humanas, realidades diversas como as línguas/ dialectos, hábitos de alimentação e de convívio colectivo, vestuários, convicções e práticas religiosas, as artes, tradições populares, o Direito, entre muitas outras.
Charles P. Snow numa conferência muito debatida realizada em 1959 abordou as “duas culturas”, as humanidades e as ciências. A categorização teve outras formulações, nomeadamente quanto aos espaços, as “culturas de apartamento” e as “culturas de saída”.
Surgiram conceitos como “cultura material e imaterial”, “cultura cultivada” ou erudita que exige formação e estudo, a “cultura popular” produzida pelas próprias populações e a “cultura de massas” ou de consumo ligada aos fenómenos da urbanização e da influência dos media.
As indústrias culturais (i.C.s) pertencem maioritariamente a este último grupo, visam a reprodutibilidade em grande escala, actividades que incluem a produção cultural e artística, a comercialização e consumo massificado.
As relações entre cultura, enquanto conhecimento e desenvolvimento humano e as i.C.s são complementares, envolvem criação e tecnologia, na educação, no livro e na leitura, no audiovisual informativo e pedagógico. Se o acesso é livre e gratuito, as obras são criadas pelos autores, as produtoras e tipografias reproduzem-nas, os editores divulgam e comercializam.
As indústrias culturais têm características particulares em relação a outras, resultado da fluidez dos mercados e variações de gosto, originando “marcas” e a reprodução em maior escala.
Nas indústrias culturais, do ponto de vista laboral, é mais acentuada a precariedade devido às conjunturas e concorrência entre mercados. Existe maior estabilidade de emprego em trabalhadores ligados a infraestruturas culturais de natureza pública ou comunitária, museus, bibliotecas, arquivos, teatros, centros de ciência, entre outros, que funcionam de forma continuada no desenvolvimento educativo das gerações, acesso aos bens culturais.
O grau de formação e especialização são mais elevados que noutros sectores, nas estatísticas nacionais os trabalhadores da cultura surgem com níveis elevados de formação superior.
As i.C.s exigem concentração de capital, promovem a novidade, notoriedade e diferenciação. Acentua-se nelas a competitividade, as estratégias de valorização da autoria e do produto, visando a liderança de mercados, acréscimo de consumidores e internacionalização. A utilização de publicidade nos meios de comunicação de massas, TVs, rádios, imprensa e internet, são instrumentos de captação de públicos e de alargamento da atenção e influência.
Em relação aos conteúdos, as actividades culturais e artísticas promovidas por instituições públicas, são normalmente menos voltadas para a experimentação e inovação que associações privadas e grupos criativos com maior informalidade nas relações.
Até ao surgimento da actual crise sanitária mundial a “festivalização cultural” vinha aumentando em Portugal. O espectáculo ao vivo tendo custos de produção mais elevados consegue maiores benefícios para os promotores, financiado sobretudo por autarquias locais que procuram atrair cidades, o turismo e populações suburbanas.
A livre concorrência é hoje problemática, o investimento e concentração de meios nas i.C.s mais poderosas dominou nas últimas décadas os circuitos de produção e os novos sistemas de comunicação, distribuição e exibição, formatando o gosto das novas gerações, sendo escassas as produções de outras origens geográficas ou linguísticas. A globalização de uma cultura unipolar contraria as convenções da UNESCO, a protecção e valorização da diversidade cultural.
Pela natureza espiritual e reflexão crítica sobre a realidade, importa que a cultura não seja apenas produto de lazer, de consumo passivo-emotivo, tendência que se tem vindo a acentuar.
As políticas culturais, se correctamente desenhadas, promovem o conhecimento e reequilíbrios sociais, a cidadania e participação, valores humanistas e inclusão, sentimentos de pertença e afinidades, maior cooperação entre criadores e operadores artísticos, o Estado, autarquias e as instituições culturais, com o espaço público e as populações.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico