Há muitos colecionadores de obras de arte, mais formais, como museus, e informais, sobretudo privados que apreciam arte.
Não há arte certa ou errada e não há maneira certa ou errada de comprar ou colecionar arte. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha.
Em todo o caso, comprar arte é diferente de colecionar arte. Comprar arte é uma atividade mais aleatória, baseada no gosto e nas preferências pessoais, e com um propósito específico, habitualmente decorativo.
Colecionar arte representa um compromisso mais a longo prazo, com um propósito mais estratégico em mente.
No entanto, é importante ter em conta o gosto pessoal, pois este fator torna a coleção única, conferindo-lhe identidade e um valor distinto. Quando se ignoram as preferências pessoais em prol dos interesses de mercado, a coleção não se distingue das demais, perdendo o valor do todo, da coerência ou identidade.
O que faz de um colecionador memorável é o seu pensamento estratégico, a sua capacidade em manter-se focado na composição geral da coleção, não perdendo o fio condutor da mesma.
Um exemplo deste tipo de colecionador foi Jean Paul Getty, considerado o homem mais rico do mundo pelo Guinness, em 1966, que, com os lucros da sua companhia petrolífera, investia na compra de obras de arte. No total reuniu cerca de 50 mil obras, as quais constituem o acervo do Museu Getty, em Los Angeles. Para Getty o investimento em arte estava associado à beleza das obras e ao desejo de posse das mesmas.
No entanto, a posse de obras de arte não se alinha na tendência de uma sociedade cada vez mais desprendida da posse de bens e mais focada no consumo imediatista e funcional dos objetos. Um exemplo desta atitude foi a aquisição de uma banana real colada na parede com fita-cola, com o título “Comediante”, do artista italiano Maurizio Cattelan, que foi vendida na 18ª edição da Feira de Arte de Miami, em 2019, por 120 mil dólares, a um colecionador privado de Paris. Assim, o consumismo e a extravagância é também o que parece estar na origem da compra desta obra de arte.
As obras de arte expressam a época em que são produzidas e, atualmente, a sociedade imediatista e consumista em que vivemos permite enquadrar o valor que estes produtos e performances artísticas conseguem atingir.
Mas no mundo da arte há também artistas que são colecionadores de arte, permitindo estabelecer relações entre as suas criações e as obras que foram colecionando. O olhar do artista enriquece a compreensão dos objetos e estes revelam aspetos relacionados com os seus interesses e fontes de inspiração histórica.
Procurando salientar este fenómeno, a Caixa Forum, em Madrid, organizou a exposição “Dioses, magos y sábios. Las colecciones privadas de los artistas”. Estivemos na sua inauguração, no passado dia 25 de abril.
Esta exposição apresenta-nos algumas obras de 10 artistas contemporâneos (Rosa Amorós, Miquel Barceló, Georg Baselitz, Luis Feito, Joan Hernández Pijuan, Manolo Millares, Joan Miró, Susana Solano, Hiroshi Sugimoto e Antoni Tàpies) e algumas peças doutros autores que fazem parte das suas coleções privadas que influenciaram as suas criações artísticas.
No conjunto, verificamos que estes artistas procuraram inspiração nas tradições orientais, na arte popular e até na arte primitiva, quase que em procura do sagrado na arte visual.
No entanto, cada um deles apresenta opções de colecionador que expressam um alinhamento com a sua própria produção artística.
Se no caso de Joan Miró e Antoni Tapies é apresentada a influência da arte oriental, no caso de Hiroshi Sugimoto podemos identificar uma amostra da sua coleção de antigos objetos religiosos japoneses como forma de olhar para os objetos de sua própria tradição. A coleção de Susana Solano é a busca do outro, neste caso através de suas viagens, enquanto, pelo contrário, Joan Hernández Piiuan nos mostra a busca de si no outro. A coleção Rosa Amorós destaca-se por ser um olhar compartilhado com o seu parceiro, o editor Gustau Gili, ambos reunindo um conjunto a quatro mãos que atinge quase a universalidade. Por seu turno, Georg Baselitz concentra-se numa área muito específica da África Oriental para reunir uma coleção valiosa e muito pessoal. O olhar de Miauel Barceló dirige-se também para a sua própria tradição, neste caso a europeia, mas sem ignorar objetos não europeus. A coleção Manolo Millares, por sua vez, representa a busca de suas origens numa cultura arcaica, isolada e extinta, a dos povos indígenas das Ilhas Canárias.
A comparação entre as distintas coleções e a relação entre cada obra e a coleção de cada artista leva-nos a identificar formas distintas de colecionar e de eleger os objetos colecionados, tornando evidente as suas motivações e preferências. A contemplação da coleção e da obra de cada artista leva-nos a perguntar, parafraseando Walter Benjamin, se é o colecionador que habita nas coisas ou se, pelo contrário, são as coisas que estão vivas nele.
Esta exposição pode ser visitada até 20 de agosto. Uma boa oportunidade cultural para quem for a Madrid neste período.