No século XX Portugal viu nascer quatro regimes políticos, Monarquia, I República, Estado Novo e II República Democrática, produziram as Constituições liberal de 1838, republicana em 1911, nacional-corporativa de 1933 e democrática em 1976, diferentes concepções de Estado.
Na Conferência de Berlim (1884-1885) as potências europeias dividiram entre si a África, os conflitos e competições pela hegemonia eram já patentes e explicam o que aconteceu.
No século XX ocorreram devastadoras guerras mundiais provocadas pelas potências europeias. Nas primeiras décadas emigraram 50 milhões de europeus para as Américas e na década de 60 um milhão de portugueses saíram do País, parte deles “a salto”.
No início do século XX o analfabetismo em Portugal atingia 80% da população, em 1960 era ainda de 40%, outros países além Pirenéus apresentavam níveis elevados de progresso económico, educativo e cultural.
Portugal participou na I Grande Guerra de 1914-1918, na de 1939-45 foi aparentemente “neutral”, entre 1961 e 1974 manteve três frentes de guerra nas ex-colónias, envolvendo 150 mil homens e gastos na ordem dos 50% do orçamento nacional. Insustentável…
Os regimes sempre apresentaram o modelo ideológico e cultural, as análises das políticas culturais são simultaneamente descritivas dos objectivos e formas organizativas, com estatísticas comparativas da evolução e dos resultados, de perfil qualitativo.
A partir da Revolução de Abril de 1974 os princípios norteadores das políticas culturais foram inscritos na Constituição da República Portuguesa de1976, no Capítulo III indicam-se as tarefas genéricas do Estado (artigo 9º), os direitos e deveres culturais (artigo 73º), a liberdade de criação (artigo 42º), liberdade de fruição (artigo 78º).
A presença da cultura nas estruturas de Governo surgiu com o I Governo Provisório, Ministério da Educação e Cultura. Nas décadas seguintes variou organicamente entre Ministério da Cultura ou partilhando responsabilidades com outras áreas governativas, ou ainda como Secretaria de Estado na dependência do primeiro-ministro.
Houve momentos de maior acerto, como o da criação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (1987) em colaboração com as autarquias, que permitiu instalar centenas de bibliotecas municipais, com tipologias definidas, quadro de pessoal e financiamentos, tal como a Rede Portuguesa de Museus e a Lei nº 47/2004 de 19 de Agosto ou Lei-Quadro dos Museus Portugueses. Contudo, não se estabeleceu uma visão estratégica de longo prazo, para defesa e valorização dos recursos culturais, persistiram acções avulsas e desacerto como é o “acordo ortográfico”. A dinâmica e criatividade de uma língua falada em vários continentes não pode ser regulamentada, o dito acordo jamais será cumprido…
A função do Estado e das autarquias permitiu desenvolvimento cultural em regiões periféricas, sobretudo a partir da Lei das Atribuições e Competências e das Finanças Locais, Lei nº 1/79. O não cumprimento da regionalização constitucional acentuou assimetrias, despovoamentos, quebras demográficas e incêndios no verão.
Patrimónios material e imaterial, fundamento de políticas culturais evoluídas, necessitam de estudo, protecção e valorização, tal como indicam as Convenções da UNESCO que Portugal subescreveu. Em 2010 finalmente o País inscreveu o fado na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade, a dieta mediterrânica (2013) e o cante alentejano (2014)… Há 20 anos a UNESCO propôs a criação de uma Rede Internacional de Observatórios de Políticas Culturais, para produção de dados fiáveis e comparáveis.
Em 2020 no sector da cultura em Portugal trabalhavam 141 mil profissionais com elevadas qualificações, 92% frequentaram o ensino superior, mas registava-se precariedade laboral, remunerações baixas, não renovação de quadros, insuficiente formação pluridisciplinar.
Museus e palácios registaram crescente procura, parte substancial devido ao turismo (50%), com aumentos médios de 10% anuais, contudo, nos museus subsistiu a gestão centralizada e distante, problemas de manutenção de edifícios, escasso investimento na investigação e na produção de conhecimento, recursos humanos nos limites, insuficiente atenção às reservas, à aquisição, estudo e divulgação de espólios.
As artes do espectáculo, música, teatro, dança, pluridisciplinares e performativas com maior ligação às indústrias culturais, carecem de modelo de financiamento que atenue fragilidades e sazonalidades. O cinema foi ocupado pela produção e distribuição norte-americana, a europeia é residual, tal como a portuguesa e de outros continentes.
Escassos dados existem sobre economia cultural, dificuldades do sector profissional em se auto-organizar e contribuir de forma informada e autónoma para as políticas públicas.
Algumas tendências se verificaram, como aumento de actividades “efémeras“ ou sazonais, festivalização, turistificação e virtualização, predomínio das indústrias culturais anglo-saxónicas, diversidade cultural do planeta quase ausente da programação.
Tal como Séneca afirmava “nunca há bom vento para quem não sabe para onde vai”…
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: Digital, revolução cultural ou algoritimização do conhecimento?