Um Novo Nome, do autor norueguês Jon Fosse, é o volume que encerra «Septologia» do Prémio Nobel de Literatura de 2023, obra que em Portugal se reparte em três volumes. A tradução é de Liliete Martins, como tem sido usual, e a edição é da Cavalo de Ferro, que publicava o autor ainda antes da atribuição do Nobel. Septologia foi considerada pela crítica uma das obras mais importantes da literatura contemporânea, figurando na lista dos 100 melhores livros do século XXI, ao constituir uma exploração transcendente da condição humana e uma experiência de leitura única.
Os dias para o Advento sucedem-se. É agora noite, de sexta-feira, e antevéspera da noite de Natal. Desta vez, Asle concorda em passá-lo em casa de Guro, a irmã de Åsleik, seu vizinho.
Asle permanece “sentado na cadeira junto à janela a olhar para o meu ponto ao longe no Lago Sygne, o ponto para onde olho sempre, o meu ponto de referência fixo” (p. 19). É também nesse ponto que o leitor se pode centrar, de forma a não se perder nas constantes divagações a que Asle se continua a entregar, passando em revista a sua vida: recuamos agora aos seus tempos de estudante, quando se prepara para arrendar um quarto, quando ainda não decidiu abraçar a pintura como uma profissão possível, e quando apesar de ser casado conhece Ales (nome próprio que não só joga com o do narrador e protagonista, como também é um nome já familiar na obra do autor: nomeadamente com É a Ales, publicado por cá este ano).
Junto à janela, ou frente ao cavalete agora vazio de telas, Asle fita o espaço à sua frente que se transfigura num espelho refletor da memória. É nessas telas que ele de algum modo projeta a sua divagação e rememora as suas lembranças de vida como um filme num ecrã.
A sua prosa é encantatória, hipnótica e inconfundível. Como se pode ler no próprio corpo do texto: “o Professor Christie diz que é evidente que os grandes artistas fazem a diferença ao trazerem algo de novo ao mundo com a sua arte inteiramente única e própria, sim, eles criam um novo modo de olhar nunca antes conhecido, e depois de um desses artistas ter concluído a sua obra, passamos a ver o mundo com um novo olhar” (p. 13).
As suas longas frases, praticamente sem períodos, requerem uma leitura pausada. O leitor precisa de entrar neste livro como quem entra em apneia para mergulhar numa narrativa que se faz de circunvoluções, repetições, lirismo e espiritualismo. E que ao mesmo tempo estabelece relação com as suas outras narrativas, nomeadamente com os dois mais recentes livros publicados por cá ainda este ano: “penso na escuridão luminosa de Deus dentro de mim, uma escuridão que é também uma luz, e que é também um nada” (p. 62)
Ler Jon Fosse é, em si, uma prática de meditação, e há que respirar fundo ao enveredarmos neste bosque de ficção: “pintura é oração, penso eu, as pinturas que eu pinto são ao mesmo tempo oração e confissão e penitência” (p. 26).
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