Em entrevista ao POSTAL, Jorge Langweg revela as motivações para organizar as Masterclasses de Jazz e Piano em Tavira, destacando a importância de reinventar o papel do jornal como agente cultural. Fala sobre a escolha criteriosa dos formadores, a estrutura dos programas, as expectativas de impacto na comunidade local e a relevância da Igreja da Misericórdia como cenário para estes eventos, sublinhando o desejo de fomentar o crescimento artístico e cultural na região.
Jorge M. Langweg é o curador das Masterclasses de Jazz e Piano que se vão realizar em novembro em Tavira. Tem 60 anos de idade e reside em Tavira. É juiz-desembargador com uma carreira preenchida por um vastíssimo e invejável currículo. É também autor de diversos artigos publicados e, em 20 de abril de 2018, recebeu o Prémio Excelência – Gala Postal 30 anos, no Casino de Vilamoura. É também curador da exposição de arte contemporânea Just’Art no Porto (2023/2024) e em Espanha (2025) e tem por hobbies a fotografia - tendo participado em exposições coletivas no Porto, em Lagoa e no Centro de Arte Contemporânea de Gibraléon, em Espanha -, além de ser atleta praticante de bilhar, na modalidade de pool e músico percussionista.
P – O que o motivou a organizar as Masterclasses de Jazz e Piano em Tavira?
R – Os jornais, com uma história de mais de dois milénios, conheceram nas últimas décadas desafios críticos, até de sobrevivência, em resultado dos choques tecnológicos associados ao surgimento da internet e da chamada democratização do acesso à informação, muitas vezes gratuita, sem filtros e sem a mediação de profissionais sujeitos a deveres deontológicos, disponível nas mais variadas plataformas, aumentando a responsabilidade dos jornalistas, até pelo seu estatuto profissional, em garantir a prestação de uma informação isenta e verdadeira à comunidade.
A imprensa teve de encontrar formas de se reinventar e de estabelecer novos laços com os cidadãos, respondendo de forma dinâmica às novas exigências da democracia e, porque não dizer, do mercado.
Tradicionalmente, o público dos diversos media tem um papel passivo, limitando-se a ler os conteúdos informativos. Uma forma de enriquecer culturalmente a comunidade pode e deve também passar por tornar cada pessoa um agente cultural, produzindo arte, ciência e conhecimento.
A iniciativa da Masterclass surgiu assim numa conversa informal com o diretor do Postal do Algarve, Henrique Dias Freire, em que discutimos formas do jornal poder aumentar ainda mais a sua oferta de conteúdos na área cultural. Publicando este jornal informação diversificada e interessante nas mais diversas áreas da cultura – literatura, música, fotografia, teatro, cinema, ciência, história, sociologia, gastronomia, entre outras – sugeri que o mesmo passasse a desempenhar um papel ainda mais ativo na promoção e divulgação do conhecimento, agora em nome próprio, aproveitando a visibilidade e credibilidade da marca “Postal do Algarve”, agora, como agente cultural.
A escolha do Jazz, como estilo musical da primeira Masterclass, radica na história recente da nossa cidade, com uma agenda cultural que tem vindo a incluir, regularmente e com muito sucesso, concertos de jazz – Jazz no Palácio, na programação Verão em Tavira, este ano até aberto ao grande público no palco principal da Praça da República, jam sessions à quinta-feira no Clube de Tavira e concertos regularmente organizados pela associação Ria Inquieta no Ginásio Clube de Tavira, entre outros – e onde encontramos, normalmente, inúmeros músicos no público, residentes na região.
Lembro-me ainda de ter existido, em Tavira, há pouco mais de vinte anos, um workshop de jazz (Tavira em Jazz), organizado pelo município e tendo como formador o notável contrabaixista de jazz, compositor e pedagogo Zé Eduardo, uma referência regional e nacional na formação de músicos, do qual até resultou um novo agrupamento musical (Baby Jazz) que integrou, além do mestre, os seus alunos.
Como tive formação musical e oportunidade de tocar numa orquestra internacional dirigida por um dos melhores maestros do mundo de orquestras de metais, Geoffrey Brand, sei bem que nada substitui, para melhorar o nível técnico e artístico, do que a formação e a prática instrumental com músicos de excelência.
Por esse motivo e como os conservatórios e academias de música no distrito de Faro, também em Tavira, têm muitos estudantes de piano, a escolha deste instrumento para a segunda Masterclass constituiu uma escolha natural.
P – Como foi a escolha dos formadores para este workshop?
R – Conhecendo o meio musical local, a minha sugestão natural para ser formador principal da primeira Masterclass de Jazz “Postal do Algarve” seria, sempre, Desidério Lázaro, por ser um músico instrumentista (saxofonista, clarinetista e flautista), compositor e docente universitário, de nível técnico e artístico elevadíssimo, além de ser tavirense.
Tendo uma conceção da música ao mesmo tempo intelectual e sensorial, é a pessoa ideal tanto para enriquecer os conhecimentos de músicos experientes, como para iniciar novos instrumentistas, sem qualquer experiência prévia, nos saberes da improvisação no jazz.
Recaindo a escolha em Desidério Lázaro, um outro nome surgiu imediatamente para ser também formador – Ricardo Pinheiro, igualmente um notável músico instrumentista, compositor e musicólogo, de nível e experiência internacional no jazz, com artigos publicados em revistas estrangeiras -, que virá desenvolver as aptidões de improvisão idiomática de instrumentistas com formação musical e contribuir, juntamente com aquele e os alunos, para um momento musical certamente inesquecível no encerramento da Masterclass, que será aberto ao público.
Quanto à Masterclass de Piano, a escolha também foi óbvia, por residir agora em Tavira uma prestigiadíssima professora de Conservatório, Patrícia Costa, pianista e compositora com uma vasta experiência como docente, tendo formado muitas centenas de estudantes de piano, contribuindo para muitos terem prosseguido estudos superiores de piano, entrando na Escola Superior de Música, o que, como é consabido, é muito difícil, por existir um numerus clausus muitíssimo reduzido na variante desse instrumento.
A sua formação superior, como pianista, é extensa e excelente – além de ser titular do Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional de Lisboa, com a classificação de dezoito valores, na classe de piano da professora Maria Cristina Pimentel, foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian durante dez anos, fez Curso de Técnica e Interpretação de Piano e Leitura à Primeira Vista, sob a orientação do professor Alain Jacquon; um Curso de Técnica e Interpretação de Piano, com o pianista Sequeira Costa; e uma especialização em performance, técnica e Interpretação de piano em Viena de Áustria, com Carmen Graf, professora da Academia de Música de Viena.
Os seus recitais e concertos são notáveis, tendo inclusivamente acompanhado o Maestro António Victorino d’Almeida em concertos.
As qualidades humanas também ímpares dos formadores e a linguagem comum aos músicos permitirá, decerto, proporcionar também um excelente convívio entre todos os participantes.
P – Como está estruturado o programa da Masterclass de Piano e quais os benefícios para os participantes?
R – Não só os estudantes de piano poderão beneficiar largamente da experiência da professora Patrícia Costa, como até pianistas profissionais encontrarão motivos para participar na formação, pois o nível do seu ensino permitirá aos participantes efetuar uma “interpretação autêntica” das obras.
Para tal desiderato, os participantes efetivos deverão apresentar uma peça à sua escolha, anteriormente estudada, da qual deverão enviar cópia da partitura à organização, com uma antecedência mínima de 15 dias.
No dia da formação, a formadora transmitirá aos participantes informação relevante sobre a época em que as partituras foram escritas, a intenção dos respetivos compositores na respetiva escrita e aperfeiçoará a adequação técnica dos instrumentistas à execução expressiva necessária, tendo ainda a preocupação com a qualidade do som que chega ao público.
O limite máximo de alunos participantes efetivos será de catorze.
No fim da tarde terá lugar um ensaio que precederá um recital, de acesso livre, às 19:30m, com os participantes e a professora, seguido de entrega de certificados de participação.
Os benefícios que se esperam alcançar, além do aperfeiçoamento técnico e artístico dos instrumentistas, serão inspirar e motivar alunos e docentes para a prática pianística, focando aspetos de técnica e aprofundamento da interpretação.
P – Quais são as suas expectativas para o impacto deste evento na comunidade local?
R – Desejo e espero que a iniciativa constitua um estímulo para aparecerem novos instrumentistas, agrupamentos musicais e públicos mais informados na região, bem como uma agenda cultural ainda mais intensa e participada pela comunidade. Tendo sido as pessoas estrangeiras a assistir mais aos concertos locais de jazz e de música erudita, desejo que os tavirenses de sempre participem cada vez mais nestes eventos culturais.
Como se sabe, o Jazz teve múltiplas e fulcrais influências em quase toda a melhor música do século XX e com projeção neste século, nas palavras do maestro António Victorino d’Almeida na sua obra Ensaio sobre a Surdez e a aprendizagem da linguagem própria deste estilo musical é muito útil aos instrumentistas de música contemporânea, mesmo de outros estilos musicais, tal como permite ao público desfrutá-lo melhor.
A forma como a Masterclass de Jazz foi concebida permitirá tanto a iniciação na improvisação jazzística a alunos sem formação musical, como o desenvolvimento de técnicas e saberes para a criação de melodias, em improvisação baseada em harmonias pré-definidas, a músicos com experiência e formação musical.
Espero, por isso, que a comunidade musical local participe ativamente no evento, independentemente da sua formação e experiência musical pessoal.
A Masterclass de Piano constituirá, sem dúvida, um marco positivo no ensino deste instrumento na região, elevando as capacidades técnicas e artísticas de interpretação dos participantes, ajudando-os ainda a fruir mais o instrumento.
Os concertos finais das Masterclasses permitirão aos tavirenses e visitantes desfrutar a arte produzida pelos formadores e alunos e estou seguro que deixarão recordações memoráveis a todos e vontade de assistir a mais concertos de Jazz e de música erudita.
Em suma, desejo que esta iniciativa do jornal, apoiada pelo Município de Tavira e pela Santa Casa da Misericórdia de Tavira, constitua mais uma semente que germine e dê frutos, gerando melhor arte, novos músicos e mais público para os concertos musicais, recitais e jam sessions na nossa cidade, sendo também a primeira de muitas.
P – Porque escolheu a Igreja da Misericórdia como local para a Masterclass, e qual é a importância desse espaço para o evento?
R – A Santa Casa da Misericórdia de Tavira, uma instituição local com mais de cinco séculos de existência, tem sabido adaptar-se aos tempos modernos e permitido a organização de inúmeros eventos musicais de diversos estilos na Igreja da Misericórdia, permitindo assim aos músicos e ao público desfrutar a sua acústica excecional num ambiente intimista.
Por conseguinte, foi uma escolha natural, não só pelas características impares do local, de elevado significado histórico e cultural e que não deixará de marcar positivamente a experiência dos participantes na Masterclass e do público no concerto final, como pela relevância da instituição.
Sendo um monumento histórico ímpar da cidade, fico feliz pelo acolhimento generoso recebido pela Santa Casa da Misericórdia de Tavira.
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