As gerações actuais devem assumir responsabilidades de actos praticados por hipotéticos antepassados, ocorridos em épocas e contextos culturais distantes da consciência social e jurídica dos direitos humanos?
Situações com elevada complexidade diplomática e técnica não podem ser objecto de voluntarismos de oportunidade.
Questão diversa é a possibilidade de devolução de património relevante e simbólico na posse das potencias ocupantes ou colonizadoras, processos negociados e contratualizados, com garantia de preservação e usufruto dos povos.
Obras “ex-libris” de outras nações foram integradas em museus da Europa e dos EUA, conhecidos são os casos do friso do Pártenon, da “Pedra Roseta” e outros tesouros egípcios… Património português foi levado por invasores para França, Inglaterra, Castela, existe fora do País muita cartografia, pintura, ourivesaria,
A História-Propaganda alimenta nacionalismos e supremacismos, deu asas a ideologias de territorialidade exclusiva e expansiva. Serão as gerações actuais, responsáveis por fenómenos ancestrais como o esclavagismo e o colonialismo?
A “economia” esclavagista resultou de guerras e conquistas, da captura de vencidos sobreviventes, obrigados a trabalhar sem direitos ou remuneração. Os soldados tinham “direito de saque”, era o estímulo ao alistamento…
A colonização na Hispânia Romana, que antecedeu as invasões bárbaras, utilizou o esclavagismo em trabalhos intensivos, dinamizado por colonos que procuraram terras férteis do “crescente ibérico”, vales e bacias dos grandes rios, jazidas de minérios, aí se fundaram as maiores cidades da Bética, Lusitânia e Tarraconensis,…
A investigação demonstra que foram vários os sistemas esclavagistas praticados desde a Antiguidade, na Idade Média até ao século XX em muitas regiões do mundo, existiu nos Impérios assírio e egípcio, nas civilizações pré-colombianas, na Grécia e Roma, Coreia e Índia, a África foi o continente mais martirizado.
Braudel considerava endémica a escravatura em África “…surgia com formas diferentes em sociedades diferentes: escravos de corte, escravos incorporados em exércitos principescos, escravos domésticos e de criadagem, escravos trabalhando as terras, na indústria, como correios e intermediários, até mesmo comerciantes“.
Possuir escravos exigia “investimento” na compra a traficantes, alimentação para que subsistissem em condições de trabalhar, a produtividade do escravo era baixa, sucederam-se revoltas de grupos (Espártaco, Zumbi dos Palmares, Angolares, Haiti, …) e fugas em massa.
Nos séculos XV-XVI cresceu o tráfico de escravos africanos para as plantações e minas nas Américas, em 1444 o Infante D. Henrique fez de Lagos o primeiro mercado de escravos do País e promoveu o transporte de milhares.
Estima-se que 13 milhões de africanos foram levados para as Américas transportados em sub-humanas condições, com elevada mortalidade nos navios.
Pelos textos antigos verificamos que as religiões não se opuseram ao esclavagismo, aceitaram-no, com excepção de algumas corajosas personalidades abolicionistas.
O capitalismo foi substituindo o menos produtivo esclavagismo por novas formas de exploração. Surgiu o “capital humano”, a industrialização nos séculos XVIII e XIX usou nas fábricas, homens, mulheres e crianças sem horários, sobrevivendo em condições de extrema pobreza e subnutrição.
A humanidade enfrenta hoje velhas e novas formas de dominação, estas mais sofisticadas e alienantes, a história retroactiva ainda que pedagógica é ilusória.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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