No artigo anterior mantivemos o foco no fotojornalismo, que mesmo sendo controverso ou chocante, tende a mostrar facetas reais de acontecimentos que são notícia e que precisam de ser mostrados para informar o público em geral. Mas no campo da arte, da liberdade de expressão artística, existe muito mais pano para mangas e ao longo da sua História muitos artistas chocaram o Mundo com as suas ideias na arte e continuam a chocar até hoje.
A liberdade de expressão faz parte dos ideais da democracia e permite ao povo manifestar as suas opiniões, mostrar o seu lado do argumento, permitindo-nos olhar para dentro de nós próprios e julgar a legitimidade das nossas crenças. O artista de certa forma cria um reflexo de si próprio e da sociedade em seu redor e em última análise, levará a uma reflexão e reflexo da Humanidade por mais controverso que seja, gera discussão sobre certos tópicos, muitas vezes proibidos e é um poderoso mecanismo de comunicação. A maior parte das vezes, mostrar algo que aparentemente é controverso em fotografia, é mostrar a complexidade do nosso Mundo e da nossa sociedade, como por exemplo, injustiça, censura, xenofobia, etnias e pessoas diferentes, comportamentos imorais, sangue, nudez, sexo, sexualidade, violência e morte entre outros temas, que não são abertamente discutidos em público, mas quando apresentados sobre a forma de arte, apresenta-se uma oportunidade para poder lidar com esses mesmos temas.
Uma afirmação será… se estes temas existem no Mundo, porque não em fotografias, é quase como se fosse um barómetro para o progressismo da sociedade. Mas… e existem limites para a liberdade de expressão dos fotógrafos e da sua arte? Não, não existem limites, mas é uma linha ténue que muitas vezes estes fotógrafos percorrem. Mas a não ser que as imagens incitem à violência e causem distúrbios e difamação dos fotografados, geralmente não surgem problemas, apenas choque, que é o intuito do artista. Dependendo da situação e momento no tempo em que estes trabalhos surgem, se forem demasiado controversos, a arte normalmente é tapada dos olhares do público, mas preservada para mais tarde ser mostrada de novo, desta vez com outros olhares e outro pensamento. Vamos conhecer alguns fotógrafos que através da sua arte foram de alguma forma controversos (aconselha-se aos mais sensíveis a parar a leitura por aqui):
• Ron Galella (1931-2022) foi um dos fotógrafos pioneiros do género Paparazzo, em que fotografava celebridades fora do olhar público ao ponto de as perseguir gerando muitos conflitos entre as próprias, incluindo Marlon Brando que em 1973 lhe deu um soco e partiu 5 dentes. Esta forma de fotografia apesar de controversa apareceu em milhares de revistas e foi mostrada em diversas galerias em redor do mundo, provando o seu valor sócio-cultural.
• Diane Arbus (1923-1971) conhecida pelas suas fotografias de pessoas comuns e pessoas marginalizadas pela sociedade, como por exemplo, travestis, nudistas, pessoas com deficiência mental, casais de diversos estilos, etc. Devido a diversos episódios de depressão e violentas mudanças de humor, acabou por se suicidar com 48 anos.
• Terry Richardson (1965-) É um fotógrafo famoso por ter fotografado inúmeras celebridades incluindo o Presidente Obama e Miley Cyrus por exemplo, em 2004 decide lançar um livro controverso intitulado “Kibosh” chamando-lhe o resumo da minha carreira, onde o foco principal do livro é o seu pénis. De notar que ao longo da sua carreira, foi acusado inúmeras vezes de assédio sexual e conduta imprópria.
• Joel-Peter Witkin (1939- ) é um fotógrafo extremamente controverso, na medida em que usa como temas principais a própria morte, usando cadáveres ou partes deles, pessoas com corpos desfigurados, displasia tanatofórica, transgénero, intersexo, muitas vezes usando a religião ou imagens da era da pintura clássica como inspiração. A sua complexa e indiscritível forma de apresentar a sua arte transgressiva, é na maior parte feita no México, uma vez que será o único local em que tem autorização para fotografar cadáveres.
• Garry Gross (1937-2010) foi um fotógrafo que teve uma carreira relativamente calma, à excepção do caso das fotografias da modelo Brooke Shields em 1975, na altura com 10 anos, a mãe autorizou as fotografias e recebeu como pagamento, $450 dólares para posar completamente nua para a Playboy. Apesar de ter tentado impedir a publicação das fotografias, o juiz concluiu que não havia sido violado nenhuma lei na altura, em 2009 uma reprodução foi retirada do museu britânico Tate Modern.
• Irina Ionesco (1930-2022) foi uma fotógrafa francesa conhecida pelos seus trabalhos eróticos, a controvérsia foi ter usado a própria filha como modelo desde os 5 até aos 12 anos de idade. Obviamente esta relação originou conflitos e uma relação amarga. Em 2012 a mãe foi condenada a pagar-lhe uma indeminização pelos danos mentais e públicos causados pelas fotografias.
• Andres Serrano (1950-) é um fotógrafo cuja obra é rodeada de temas controversos e inconvenientes, geralmente envolvendo objetos submersos em líquidos corporais, como por exemplo um crucifixo de Jesus Cristo mergulhado em urina.
• Jill Greenberg (1967-) é uma bem-sucedida fotógrafa comercial que tem um distinto visual de edição particular nos seus trabalhos, as suas fotografias mais famosas encontram-se no livro “End Times” lançado em 2000 em que fotografou inúmeras crianças a chorar, a artista alega que o resultado é uma reflexão dos seus próprios sentimentos de raiva e angústia.
• Steven Meisel (1954-) é um fotógrafo de moda famoso pelo livro da Madonna intitulado “Sex”, mas foi quando levou supermodelos para o campo de guerra no Iraque, é que o caldo ficou mesmo entornado. Publicado na revista de moda Vogue italiana, sob o título “Façam amor e não guerra”, incluía sensuais fotografias das modelos em poses com os militares vestidos com os seus uniformes. O fotógrafo foi acusado de sexualizar a guerra e glorificar temas como a violação.
• Jan Saudek (1935-) é um fotógrafo conhecido pelas suas fotografias que representam temas como por exemplo, simbolismo surrealista, metáforas políticas e sexualidade. No princípio da sua carreira viu-se obrigado a fugir da polícia secreta comunista Checa, trabalhando a partir de abrigos e caves.
• Gottfriend Helnwein (1948-) é um fotógrafo Austríaco, controverso pelos temas que aborda, um estilo fantástico, mas de natureza geralmente críptica com violência teatral de tons eloquentes e luz divinal, temas que exploram a inocência subvertida, sangue, nazismo e a cultura consumista.
• Guy Bourdin (1928-1991) é considerado um dos mais controversos fotógrafos de moda de todos os tempos, onde implementa narrativas interessantes, mas confusas, momentos surreais, chocantes e exóticos geralmente abraçados lado-a-lado com infusões de erotismo e nudez. O fotógrafo é conhecido pela sua reputação de alta exigência das suas modelos, ao ponto de algumas desmaiarem.
Em conclusão, o ser humano é uma criatura de extrema complexidade que tem no poder da sua mente, a criação das mais bizarras, sensacionais e perturbantes experiências do intelecto. Uma prova disso é o trabalho que muitos destes fotógrafos fazem, que são tudo reflexos da nossa Humanidade, que acontecem no dia-a-dia das pessoas de uma forma ou outra, por mais chocantes que sejam. É tudo obviamente uma questão de perspetiva, discussão, estudo e reflexão. Se quiserem conhecer mais a fundo qualquer um destes fotógrafos aconselho-os a terem uma mente aberta e crítica, mas essencialmente um estômago forte, porque o que foi apresentado neste artigo, foi cuidadosamente escolhido a dedo.