Esta questão foi-nos suscitada ao assistirmos à inauguração da exposição de Pedro Cabral Santo (PCS), intitulada “#2 The Gateway to the Stars”, na Galeria Trem, no passado dia 26 de novembro. Simultaneamente, foi lançado o livro “The power of Love. Breves anotações em torno da Imagem Artística e Outros Assuntos”, uma compilação de textos escritos por PCS, e publicados de forma intermitente, ao longo dos últimos 20 anos.
Em comum, o livro e a exposição procuram “deslindar o fascínio, quase impenetrável, que se esconde por detrás daquilo que se designa por Imagem Artística”, segundo palavras de PCS.
Mas seria suposto, que numa exposição de artes visuais, em que o tema de fundo é a “imagem artística”, fossem apresentadas diversas imagens que o espetador poderia apreciar. No entanto, o que encontramos ao entrar na galeria é apenas uma única imagem numa das paredes da galeria e um conjunto de textos impressos em painéis brancos dispostos nas restantes três paredes da galeria.
Mas será que a surpresa que podemos ter ao entrar na galeria traduz desilusão? Seguramente não! A esta capacidade para nos surpreender de PCS está associada a sua capacidade para nos fazer refletir sobre a essência da imagem visual e do próprio sentido das artes visuais.
É transportar-nos para além da imagem retiniana ou visual e para alguma desmaterialização da arte. Já em 1968, John Chandler e Lucy Lippard, no artigo “A desmaterilização da arte”, referiam que a forma intuitiva e intencional de fazer arte estava a dar lugar a uma arte ultra-conceptual que enfatizava quase exclusivamente o processo de pensamento.
Esta ênfase na desmaterialização encontra um dos seus exemplos mais fortes na exposição de Robert Barry, em 1969, na Galeria Art & Project, em Amesterdão, em que pintou na porta de entrada “during the exhibition the gallery will be closed” (“durante a exposição, a galeria estará fechada”), não estando nenhum trabalho à vista, nem sequer uma janela que permitisse ver algum trabalho no interior. Já em 1958, Yves Klein havia realizado uma exposição em Paris com o título “Vazio”, em que o espaço estava literalmente vazio, pretendendo expressar um “estado pictórico invisível” que estaria presente através da radiação.
Na atualidade, numa época que alguns já designaram como de poluição visual ou de obesidade de imagens visuais, urge parar e refletir sobre o sentido e a necessidade destas.
Em vez de mero consumidor de imagens produzidas por outros, o espetador pode ser o próprio criador de imagens internas que os estímulos apresentados numa exposição podem proporcionar.
É realmente infinita a capacidade que cada um pode ter para criar imagens internas, como infinito é o universo representado pela única imagem apresentada nesta exposição de PCS.
As breves histórias de ficção científica apresentadas nos painéis expostos na galeria, acompanhadas pelo som de pequenos rádios colocados ao lado de cada painel, como se fosse uma música de fundo do espaço intergaláctico, permitem ao espetador criar imagens visuais que expressam a sua subjetividade. É caso para dizer que o universo das vivências e projeções imagéticas de cada um é o limite. “#2 The Gateway to the Stars” é mesmo uma porta para o universo da criatividade de cada um, ajudando-nos a explorar os nossos próprios limites.
Aproveitando as palavras sublimes escritas por Mirian Tavares no folheto desta exposição, “as suas criações são discursivas, são meta-referentes – não existem sem um contexto e exigem, do espetador, além do espanto, a adesão consciente num jogo de múltiplos sentidos e de significações diversas”.
Este é o mistério e simultaneamente a magia desta exposição de PCS (!)… a visitar até 2 de fevereiro de 2021…
Uma última nota para salientar que esta exposição conta com a curadoriada licenciatura em Artes Visuais da Universidade do Algarve, com o apoio do CIAC, expressando o contributo que as Artes Visuais na UAlg têm vindo a dar para o desenvolvimento da cultura no Algarve. Aliás, com a curadoria de PCS, foi inaugurada, também no dia 27 de novembro, a exposição de desenho “O Lápis Mágico”, assim intitulada em homenagem à série televisiva homónima dos anos 70, contando com os desenhos dos artistas António Olaio, Tiago Batista e Xana.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)