O movimento representativo dos ilhéus da Culatra, Hangares e Farol e um dos rostos do combate às demolições na ilha barreira da Culatra, em Faro, escreveu uma carta aberta ao Presidente da República.
Na missiva, enviada hoje a Marcelo Rebelo de Sousa e às redacções, o movimento cívico destaca:
A urgência da problemática das ilhas barreira de Faro e Olhão e a errância e postergação dos sucessivos Governos sobre a matéria ao longo dos anos;
A existência de “razões que se mantêm convenientemente longe do conhecimento público, a sociedade Polis Litoral Ria Formosa (criada com o principal objectivo de concretizar um processo de demolições em massa)” e o objectivo final da mesma que, diz ser “a ideia bem marcada de que mais tarde ou mais cedo, todos [os habitantes das ilhas barreira] terão de sair”;
As demolições realizadas “à revelia de decisões do Tribunal de Loulé, e com a conivência das autoridades presentes – algo que nos remete para regimes e tempos idos um tudo nada menos democráticos”.
Os defensores da posição dos ilhéus questionam o primeiro magistrado da nação sobre se “será que vale a pena destruir esse património sócio-cultural em nome de um qualquer interesse que se apresente? Por mais oculto e misterioso que ele seja?” e respondem claramente que “Não nos parece”.
Ao Presidente o SOS Ria Formosa chama a atenção pedindo que não permita a “uma “Troiização” destas Ilhas, ou seja, que, uma vez escorraçados os “indesejáveis” habitantes locais, se venha no futuro a concessionar estes locais ao interesse de grandes interesses económicos”.
E solicitam a Marcelo rebelo de Sousa uma audiência convidando-o também a uma visita às ilhas barreira.
Leia a carta aberta na íntegra:
“Sábado, 04 de Março de 2017
Exmo. Senhor Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa,
Em primeiro lugar, gostaríamos de congratular V. Exa pelo seu primeiro ano de mandato à frente da Presidência da República Portuguesa, facto que tem lançado, sem dúvida, sobre todo o Portugal, uma onda de esperança, decorrente das posições que V. Exa tem assumido ao longo de toda uma carreira, tanto política como pública, em que a justiça social e uma postura isenta sempre se revelaram como marcas distintivas e sempre presentes nas suas palavras e actos.
A razão que nos leva a contactar V. Exa é a questão premente, e neste momento de extrema urgência, da situação das habitações das Ilhas Barreira da Ria Formosa, nos Concelhos de Faro e de Olhão.
Este é um processo que se tem arrastado ao longo dos anos, processo que os sucessivos Governos têm primado em deixar arrastar, mudando diametralmente de posição conforme se encontrem ora no governo ora na oposição.
Por razões que se mantêm convenientemente longe do conhecimento público, a sociedade Polis Litoral Ria Formosa (criada com o principal objectivo de concretizar um processo de demolições em massa, apesar de alegar a preservação da Natureza e a melhoria das condições de vida das populações) tem vindo a insistir nas demolições das referidas habitações, com base na alegação de que estas não são primeiras habitações ou por serem consideradas ilegais/clandestinas, ou ainda por prejudicarem o ambiente e estarem num espaço que é de domínio público marítimo e portanto de todos.
É certo que ao longo dos 3 governos em que esta sociedade está vigente, a estratégia foi mudando ao longo do tempo, ora querendo arrasar tudo e todos, ora por ultimo querer fasear as demolições em períodos de 3 anos, mas sempre com a ideia bem marcada de que mais tarde ou mais cedo, todos terão de sair.
A referida sociedade (que viu a sua existência legal ser prorrogada diversas vezes para que este fim seja conseguido) procedeu a demolições na Praia de Faro e em ilhotes isolados na Ria Formosa em habitações que tinham providências cautelares em curso, à revelia de decisões do Tribunal de Loulé, e com a conivência das autoridades presentes – algo que nos remete para regimes e tempos idos um tudo nada menos democráticos.
Estas casas têm história, estas Ilhas têm História, todas estas gentes têm histórias nestas Ilhas e uma vida indissociável da Ria Formosa, das ilhas, do Mar, as Ilhas são uma comunidade única, unida, e não será esse o maior valor de um país? A coesão e união das suas comunidades? Faro e Olhão prolongam-se pela Ria Formosa, a vida atravessa as águas e continua do outro lado, na Culatra, nos Hangares, no Farol; outras vidas fizeram-se nas Ilhas, e apenas nas Ilhas.
Será que vale a pena destruir esse património sócio-cultural em nome de um qualquer interesse que se apresente? Por mais oculto e misterioso que ele seja? Não nos parece.
E estamos em crer que a um Presidente da República com a estrutura moral de V. Exa também não lhe há de parecer.
Sem querer de todo enveredar pelo caminho da especulação, gostaríamos que se conseguisse evitar uma “Troiização” destas Ilhas, ou seja, que, uma vez escorraçados os “indesejáveis” habitantes locais, se venha no futuro a concessionar estes locais ao interesse de grandes interesses económicos que, depois de terem, por anos a fio, descaracterizado todo o Algarve, vêem agora uma oportunidade de marcar território em território que sempre lhes foi vedado.
Basta lembrar o que está a acontecer com a cidade de Lisboa, em que dos bairros populares e históricos pouco já resta de popular e de histórico.
Quererá o nosso Presidente da República, figura grada da esmagadora maioria dos portugueses, que o vêem como um dos seus, ver o seu, e o nosso, Portugal tratado desta forma?
Em nome do movimento SOS Ria Formosa, vimos assim, por este meio, solicitar que, com base na análise que V. Exa faça da situação aqui apresentada, interceda – dentro do que a Lei Portuguesa permita – no interesse das gentes destes lugares e da preservação etnográfica e da riqueza social económica destas comunidades, para que se faça de facto justiça e que o País não veja o seu Património social ainda mais delapidado, como infelizmente é corrente nos dias de hoje.
O Estado Português tem recebido destas populações, dezenas de milhares de euros em impostos sobre as habitações ao longo dos últimos quarenta e muitos anos, são milhares de euros pagos e aceites pelo estado português, o mesmo que continua a classificar-nos como ilegais, quando no passado foi o próprio estado a incentivar a presença humana nestas ilhas.
Gostaríamos ainda que se possível, o Sr. Presidente nos pudesse receber numa audiência, para que de viva voz, o pudéssemos elucidar da nossa posição e mostrar a muita documentação que possuímos sobre todo este processo.
Seria igualmente para nós uma enorme honra, caso concordasse, vir visitar estas paragens para ver com os seus próprios olhos a realidade no terreno e do que estamos efectivamente a falar.
Com os mais respeitosos cumprimentos,
Vanessa Morgado
Em nome do movimento SOS Ria Formosa”