É difícil escrever algo de novo, quando nestes primeiros dias de 2019, ano do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), tantos artigos têm sido publicados sobre a sua vida e obra.
Não conheci pessoalmente a poeta e escritora, mas através da leitura da sua obra, da leitura de artigos e do testemunho de amigos que conviveram de perto, há uma ideia que permanece: Sophia era inteira na sua poesia, a tudo se entregava por inteiro!
Teve uma intensa actividade cívica, na luta pela liberdade em Portugal. Foi sócia fundadora da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos e integrou o PS. Foi deputada à Assembleia da República, em 1975. Apoiou o movimento monárquico e foi católica progressista. Deu importantes contributos ao Centro Nacional de Cultura, do qual foi directora vários anos.
A Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, está sediada precisamente no Centro Nacional de Cultura e propõe um programa que contempla várias facetas da vida de Sophia.
No âmbito das Comemorações a cidade de Lagos não poderia ficar de fora, por ser um dos locais onde a família passava férias, e pela presença do mar na vida e obra de Sophia.
A programação inclui um Colóquio designado: “O Mediterrâneo e o Atlântico em Sophia” que decorrerá em Lagos a 3.10.2019, e que terá como temas o mar, o diálogo com os poetas do Sul, a importância dos contos para crianças e a presença do sagrado na poesia. (www.centenariodesophia.com).
A clareza da palavra e a procura da Luz
Creio que poucas pessoas, mesmo aquelas que habitualmente não lêem poesia, ficarão indiferentes à clareza da sua palavra e à beleza da sua expressão.
Há palavras que, desde criança, me parece que foram sempre de Sophia e poemas que me têm acompanhado nas diferentes etapas da vida.
Vejo as suas palavras cheias de Luz dando claridade e movimento aos livros, transportando quem lê para outros lugares. Aliás, Luz é a palavra que mais encontro na poesia de Sophia e mesmo quando a palavra “luz” não está lá, está a luminosidade e a perspicácia do seu olhar.
Gostaria de referir esse aspecto que considero importante: a procura da Luz, e que ganha muitas formas na poesia de Sophia. Vejo referência a Deus em alguns dos seus poemas, sinto que Deus se faz perto através da poesia!
No poema intitulado Chamo-Te, sente-se que Sophia anseia a presença de Deus e vai ao tempo primordial nessa procura:
“Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que não quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra
Em Primavera feroz precipitado.”
Nestas poucas linhas não quero deixar de citar duas personalidades que referem a comunhão cristã em Sophia:
– No prefácio de Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner (1969), D. António Ferreira Gomes, na altura Bispo do Porto, considera que “Sophia chega à verdade não pela via platónica grega, mas pela paixão invoca o mistério e a transcendência do ser humano, ao modo católico.” Refere que “para Sophia a comunhão humana só é possível com Deus e que essa comunicabilidade com o transcendente é essencial à visão poética.”
– Por sua vez, Richard Zenith escritor e tradutor, natural dos Estados Unidos e vencedor do Prémio Pessoa em 2012, escreveu que “a poesia de Sophia é ‘assertivamente cristã’ a par dessa convivência dos deuses pagãos com o Deus do Cristianismo.”
Refere que a poeta era “assumidamente católica”, mas “reconhecia Deus, a religiosidade e o mundo espiritual em termos mais universais”.
Gostaria de partilhar ainda esta bela Oração da autoria de Sophia de Mello Breyner:
“Senhor, como estás longe e oculto e presente! Oiço apenas o ressoar do teu silêncio que avança para mim e a minha vida apenas toca a franja límpida da tua ausência. Fito em meu redor a solenidade das coisas como quem tenta decifrar uma escrita difícil. Mas és Tu quem me lês e me conheces. Faz que nada do meu ser se esconda. Chama à tua claridade a totalidade do meu ser para que o meu pensamento se torne transparente e possa escutar a palavra que desde sempre me dizes.”
Que a vida e obra de Sophia de Mello Breyner, com a lucidez moral da sua poesia inspire um Portugal mais fraterno e que, sem perder a sua vocação poética, seja um país culturalmente mais coeso, incluindo a multiplicidade de linguagens que são parte da cultura.