No passado as obras de arte eram organizadas em exposições para serem vistas pelo espetador. Este era um mero observador destas obras, sendo a visão o único dos cinco sentidos usado para avaliar o grau em que a obra de arte “retratava” a realidade.
Depois, a partir da segunda metade do século XIX, quando a produção artística começou a divergir da realidade, visto esta ser melhor retratada através da fotografia, e sobretudo com o movimento impressionista, começou-se a valorizar a dimensão emocional na observação das obras de arte. Vários movimentos artísticos desenvolvidos a partir do século XX, tendo a sua principal manifestação na arte conceptual, levaram a que simultaneamente a dimensão cognitiva fosse valorizada na apreciação de obras artísticas. Em todo o caso, o sentido visão continuaria a ser o principal meio nesse processo de apreciação das obras. Daí a própria designação de artes visuais.
Nos últimos anos tem-se procurado que o público não tenha um papel tão passivo neste processo, desenvolvendo-se formas de arte interativa, em que o espetador pode ter um papel ativo na relação com os produtos artísticos, chegando mesmo a contribuir para a versão final destes.
O desenvolvimento das novas tecnologias tem vindo a abrir as possibilidades de produção artística e de interação com as artes visuais,
Os termos arte digital, arte de computador, arte multimédia, arte interativa e media arte começam então a ser utilizados para descrever trabalhos que são feitos utilizando a tecnologia digital, como sejam as instalações multimédia interativas, os ambientes de realidade virtual e a arte baseada na net.
Muitos consideram até que a inovação tecnológica está a começar a ser a chave para a arte do século XXI (eg, Stephen Wilson no seu livro “Art+Science”, 2010).
Nesta perspetiva começam a ser exploradas formas de tornar a arte tão expressiva que possa “tocar” o público não apenas através da visão, mas também usando os outros quatro sentidos.
Foi nesta linha que investigadores da Universidade do Algarve, em colaboração com a empresa SPIC, criaram uma aplicação digital que permite “sentir” uma obra de arte através da imagem, do som, do toque, do cheiro e do sabor.
Esta tecnologia foi aplicada a 84 obras de arte expostas no Museu Municipal de Faro, considerando-se que já é possível visitar o museu usando os cinco sentidos.
Além de permitir ouvir a narrativa da obra (audição) e de ver pormenores da mesma aumentados (visão), o sistema, através dum dispositivo portátil que pode ser acoplado ao telemóvel (aplicação M5SAR – “Mobile Five Senses Augmented Reality System for Museums” / Sistema Portátil de Realidade Aumentada com os Cinco Sentidos para Museus), reproduz sensações de vibração, como nos comandos das consolas de jogos, e de brisa, através de uma ventoinha (tato). Não foi esquecido o cheiro a flores e amêndoas (olfato) e ainda o sabor vaporizado a frutos vermelhos ou a café (paladar).
Pretende-se aumentar o prazer e o envolvimento do visitante, mas nunca estragar a sua experiência de estar num museu. Segundo João Rodrigues, coordenador do projeto, “cada vez mais, a experiência do visitante num museu tende a ser mais interativa, mais digital, para que não seja apenas uma visita estática, tradicional, de leitura de obra”. Desta forma, o futuro é já presente. Talvez fosse interessante avaliar de que forma a introdução destas componentes dirigidas aos vários sentidos altera a apreciação, nos planos cognitivo e emocional, que o espetador faz da obra.Resta saber se os autores de algumas das obras de arte VISUAL concordariam com esta abordagem dirigida aos restantes sentidos…
Mas o que é certo é que as pinturas de Carlos Porfírio, sobre o tema Algarve Encantado, foram produzidas a partir das lendas do Algarve Tradicional, da autoria de Ataíde de Oliveira, expressando a transferência da arte escrita para a arte visual.Assim sendo, porque não desenvolver formas de expressão visando a audição, o tato, o olfato e o paladar, a partir de obras de arte inicialmente apenas concebidas para serem apreciadas através da visão?
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)