De acordo com a origem etimológica, a palavra Abril vem do latim aprilis que significa abrir. Abrem-se as flores na Primavera, germinam as culturas e venera-se Afrodite, a deusa grega do amor e da beleza, nascida na espuma do mar.
Longe vão os tempos em que as mulheres ficavam em casa nas lides domésticas, ou a cuidar dos filhos, e submissamente se sujeitavam aos maridos que proviam para a família. Um estudo da OCDE de Março de 2018 mostra que as mulheres portuguesas lideram o ranking das ciências, tecnologias e matemáticas. Com 57% Portugal está no topo da lista, é o país da organização com mais mulheres formadas nas áreas de ciências. Contudo o estudo refere ainda que “a desigualdade de género continua a ser uma realidade na maioria dos países, em todas as áreas sócio-económicas, com mais mulheres a seguir estudos superiores mas tendo bastante menos oportunidades de carreira do que os homens e com as diferenças salariais entre géneros para o mesmo tipo de trabalho a persistirem.”
Não hajam dúvidas! As mulheres conquistaram imenso terreno, mas quanto tiveram que sacrificar para o conseguir? O modelo de racionalidade masculino, caracteriza-se por um poder metafísico forte, uma verdade ontológica una, fixa, inalterável à qual se pretende aceder. Numa sociedade patriarcal, as mulheres masculinizaram-se para poder triunfar. Sacrificámos a intuição, a flexibilidade, a criatividade, em prol da objectividade, da racionalidade e da eficiência. Onde nos levou tudo isto?
Aristóteles refere na Metafísica os cinco pares de opostos que os Pitagóricos consideravam como os dez princípios do mundo: finito e infinito, ímpar e par, unidade e pluralidade, direito e esquerdo, masculino e feminino, quieto e em movimento, recto e curvo, luz e obscuridade, bom e mau, quadrado e oblongo. Como podemos verificar, enquanto o lado masculino é o lado bom, onde se encontra a unidade e a luz, características sempre associadas ao acontecimento da verdade; o lado feminino é o lado “mau”, obscuro e múltiple, onde só se pode encontrar engano e aparência.
Platão na República condena os poetas expulsando-os, entre outras razões, por provocarem naqueles que lhes são sensíveis comportamentos indignos e típicos das mulheres, como chorar, lamentar-se, estar fora de si, emocionar-se e perder o autodomínio.
Já Kant, em Observações sobre o Belo e o Sublime, mostra-se ofendido pelas capacidades intelectuais e conhecimentos de Mme du Châtelet, por esta não se limitar a conversar nos salões da sociedade como faziam as outras senhoras, considerando então que deveria tentar deixar crescer a barba, “de forma a dar mais profundidade aos seus pensamentos” uma vez que se comportava de uma forma tão masculina. Aos seus olhos resultava inconcebível que uma mulher discutisse mecânica, ou que dominasse o grego, “como se de um homem se tratasse”.
Hoje em dia sabemos que todos os seres humanos possuem características de ambos géneros. Do ponto de vista intelectual dir-se-ía que somos andróginos, capazes tanto de um uso masculino como de um uso feminino da razão. A predominância do exercício da razão masculina legou-nos um mundo desequilibrado. Finalmente demo-nos conta de que “o preço que há de pagar a razão em troca do seu poder é uma impressionante limitação dos objectos que podem ver-se e acerca dos quais se pode falar” afirmam os filósofos Vattimo e Rovatti, coordenadores de uma série de ensaios sobre a razão feminina.
Dizem-nos então que “a razão deve debilitar-se no seu próprio núcleo, deve ceder terreno, sem temor de retroceder à suposta zona de sombras, sem ficar paralisada por ter perdido o ponto de referência luminoso, único e estável, que um dia lhe conferiu Descartes”. Esta necessidade de alargamento dos horizontes para a zona de sombra implica uma radical mudança de atitude; a razão dominadora, activa por excelência, deve ceder lugar a um razão mais passiva e acolhedora.
Chantal Maillard no seu livro La Razón Estética propõe que pensemos sobre o par de opostos débil/forte a partir da teoria chinesa das mutações permitindo-nos assim olhar este par já não desde a sua situação de opostos, mas antes a partir de uma óptica de complementaridade. Segundo Maillard, o débil é o forte em flexibilidade, em porosidade, em abertura, em capacidade de adaptação; por sua vez, o forte, é débil nas características que acabam de enunciar-se. E tal como no símbolo chinês o branco-forte-masculino-yang, tem em si o gérmen do negro, também o negro tem em si o gérmen do branco. Tratando-se de um desenho, habituámo-nos a ver estas figuras fixas, ignorando que se trata de uma realidade em movimento. Na verdade Ying e Yang estão continuamente a transformar-se um no outro, a dar lugar um ao outro. Tal como a encosta soalheira da montanha é a mesma encosta durante a noite, assim também Ying e Yang perpetuamente se metamorfoseiam. As plantas e os seres que habitam a montanha beneficiam tanto da “luz vivificante do dia como do poder regenerador da noite”.
Que é feito desse lado feminino? Esse lado que cuida, que cura, que acolhe sem julgamento. Como desembrutecer este mundo dominado pela tirania da técnica? E se nos embrenhássemos na espuma sensual de Afrodite? E se ouvíssemos o coração e nos abríssemos à intuição?… É urgente resgatar o feminino que existe em todos nós!
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(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)
(CM)