Os reclusos do Estabelecimento Prisional de Silves estão a participar num projeto inovador no que diz respeito à ajuda e proteção animal. A ideia assenta na construção de casotas para animais que são depois cedidas a instituições de proteção e cuidado animal.
A iniciativa teve início em Outubro
A iniciativa teve início em Outubro do ano passado e já está a ser amplamente conhecida. Ricardo Torrão, diretor do Estabelecimento Prisional de Silves, disse ao POSTAL que “a ideia da criação deste projeto veio da guarda prisional Zaida Gouveia, que trabalha aqui connosco. A guarda Zaida tem alguma ligação à APAA – Associação de Proteção Animal do Algarve e na altura dos incêndios de Monchique constatou-se que existia uma grande carência ao nível de casotas e abrigos para os animais e ela lançou-me o desafio de, com mão-de-obra prisional, construirmos casotas para ajudar os animais”.
A trabalhar no projeto estão, para já, dois reclusos
A trabalhar no projeto estão, para já, dois reclusos, no entanto, a ideia é transmitir os conhecimentos de execução das casotas a outros reclusos, de modo a expandir a iniciativa.
A APA – Associação de Proteção Animal do Algarve, de Portimão foi, assim, a precursora do projeto, tendo recolhido vários animais durante o incêndio e chegado à conclusão de que existia uma carência bastante acentuada no que dizia respeito aos abrigos para os mesmos.
A ajuda prestada pelo estabelecimento prisional começou, deste modo, na zona do barlavento algarvio, no entanto, rapidamente se estendeu também a associações do sotavento.
No total já foram cedidas 44 casotas a 8 instituições do Algarve
No total já foram cedidas 44 casotas a oito instituições do Algarve: APAA – Associação de Proteção Animal do Algarve, de Portimão; Associação Pata Ativa, de Albufeira; Refúgio dos Burros, de Estômbar; Benafim Dogs, de Loulé; Cadela Carlota, de Lagos; APAR – Associação para a proteção de animais e resgate, da Fuseta e Moncarapacho; Tiny Shelter de Albufeira e Friends Canil, de Portimão.
O responsável sublinhou que “à medida que fomos contactando com as associações percebemos que também existia a necessidade de abrigos para os gatos e começámos, para além das casotas, a trabalhar também nos gatis”, confidenciando que “esta semana surgiu uma situação diferente, que é o facto de hipoteticamente podermos começar a fazer camas para os gatos, através da utilização de pneus usados recortados no rebordo e depois decorados”.
O recluso que deu início ao projeto é pintor da construção civil e o que está a aprender também tem ligações a esta área. Segundo o diretor do Estabelecimento Prisional de Silves, “o recluso que tem mais iniciativa está quase num regime flexível de pena e à partida vai começar a sair para trabalhar no exterior”.
Os reclusos sentem-se motivados porque estão a dar um contributo à sociedade
Ricardo Torrão sublinha a importância do projeto, “os reclusos sentem-se motivados porque estão a dar um contributo à sociedade. Quando as associações vêm buscar as casotas e os representantes das associações reconhecem o trabalho deles é muito gratificante”, realçando que “as pessoas estão aqui durante algum tempo mas o lugar dos homens não é no estabelecimento prisional”.
“A ideia é que eles endireitem as suas vidas, de modo a voltar a integrá-los na sociedade. O lugar do homem não é na prisão, é lá fora, mas é claro que com as devidas ressalvas de modo a cumprir as regras que são impostas pela sociedade”, acrescenta o responsável.
Para uma correta implementação do projeto tem existido a colaboração de todos os funcionários do estabelecimento prisional.
O responsável salienta ainda que “o senhor diretor-geral autorizou a colaboração do estabelecimento prisional com as instituições e há pouco tempo esteve cá com a senhora secretária da Justiça e aproveitou para ver algumas das casotas”, tendo encarado “com agrado este contributo dos reclusos relativamente aos animais”.
As associações têm conseguido arranjar materiais provenientes de várias superfícies comerciais
As associações têm conseguido arranjar materiais provenientes de várias superfícies comerciais, tais como o Continente, Recheio, Makro, Robbialac, Tintas 2000, Algarve Paint Store, Leroy Merlin, entre outras. Recentemente o programa da TVI “Você Pede Eu Dou” também fez um donativo de materiais. Para a construção das casotas são necessárias paletes, tintas, parafusos e isolantes.
Para Ana Castro, presidente da Associação Pata Ativa de Albufeira, uma das associações ajudadas no decorrer do projeto, “a importância desta iniciativa é enorme porque muitas associações têm abrigos e necessitam de mais condições para receber mais animais e estas casotas são imprescindíveis para os conseguir abrigar. Eu acho que é de louvar e é uma mais-valia. Nós vamos promover o projeto e tentar que mais entidades façam este tipo de trabalho”.
“Como cidadã que me preze sinto que tenho o dever e a responsabilidade de contribuir para uma melhor sociedade”
Ricardo Torrão acrescenta ainda que “a guarda Zaida costuma dizer uma frase que transmite na perfeição o intuito do projeto: ‘Como cidadã que me preze sinto que tenho o dever e a responsabilidade de contribuir para uma melhor sociedade. É assim que penso, para além do amor que sinto pelos animais’”, reforçando que “pretendemos dar continuidade ao projeto”.
A cadeia de Silves aposta na realização de atividades que contribuem para o desenvolvimento de competências dos reclusos de modo a integrá-los mais facilmente na sociedade no final do cumprimento da pena.
Exemplo disso mesmo é a oficina de reparação de máquinas e moinho da Delta. Segundo Ricardo Torrão, “esta é a única oficina do Algarve e do país que foi construída de raiz propositadamente para este efeito”, mencionando que “o senhor comendador abdicou de ter a oficina de reparação nas oficinas da Delta em Lagoa para passar a dar emprego a cinco reclusos”.
Estes reclusos tiveram formação e acompanhamento técnico por parte da Delta e trabalham, “auferindo um vencimento que não chega bem ao mínimo porque trabalham à peça, mas é um vencimento muito generoso para aquilo que é o vencimento em meio prisional, e é uma grande oportunidade porque estamos a falar de uma especialização que é a reparação das máquinas do café”, referiu.
O responsável considera que “é necessário nos dias de hoje, no mercado lá fora, que se saiba fazer algo específico para que a integração seja mais fácil”, pois “o grande objetivo é que os reclusos endireitem as suas vidas e não voltem”.
“Aquilo que mais me custa a mim e a toda a equipa que trabalha comigo é o facto de vermos a mesma cara entrar duas vezes. Nós falhámos, mas quem falhou mais foi a pessoa, porque nós só conseguimos ajudar quem quer ser ajudado. Não podemos seguir outra linha sem ser essa”.
Os reclusos dedicam-se a várias atividades
Existem ainda outras atividades direcionadas aos prisioneiros durante o tempo em que estão na cadeia.
“Os reclusos trabalham na lavandaria, na cozinha, na biblioteca. Tenho cerca de 30 pessoas a fazer RVCC (Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências). Já tive inclusivamente um recluso que concluiu o 12º ano aqui connosco e quis ingressar na universidade. Quando ele começou a ter medidas de flexibilização e a ir a casa nós propusemos que ele fosse às aulas que tinham de ser presenciais. Ele licenciou-se em Turismo e saía todos os dias do estabelecimento prisional, tinha as aulas e no fim do dia regressava à prisão”, disse ao POSTAL o diretor do estabelecimento prisional.
A prisão de Silves tem acordos com a Universidade Aberta e com o IEFP
“Os nossos serviços têm um protocolo com a Universidade Aberta que cobre o território nacional e lhes permite estudar à distância. Tentamos que a nível escolar e formativo não existam barreiras em relação ao meio livre”, reforçou.
O estabelecimento prisional tem ainda acordos com o IEFP – Instituto de Educação e Formação de Portugal que permite que alguns reclusos frequentem ações de formação e cursos.
Na prisão de Silves há uma biblioteca, duas salas de aula e formações diversas. Existe ainda uma parceria com sete professores que lecionam inglês, francês, espanhol, competências básicas e também português para estrangeiros. A ideia é que todos os reclusos tenham uma atividade, “pois quanto mais ocupados estiverem, mais competências ganham. O ócio é prejudicial”.
A taxa de ocupação laboral e de formação dos reclusos é de 94%
Segundo o responsável, a área de informática está em destaque, “porque qualquer trabalho hoje em dia está sujeito à utilização das tecnologias de informação e conhecimento (Tic)” e nós pretendemos exatamente “combater aquilo que é a info-exclusão”.
A taxa de ocupação laboral e de formação dos reclusos é de 94%.
De referir que a cadeia de Silves é o único estabelecimento prisional em funcionamento no barlavento. É um estabelecimento masculino que tem 75 prisioneiros, sendo que 72 pertencem à instituição e três estão lá apenas temporariamente. De salientar ainda que 50 destes reclusos estão em prisão preventiva e os restantes estão a cumprir pena efetiva.
O diretor do estabelecimento prisional realça ainda o apoio incondicional que tem tido por parte das autarquias. “A Câmara de Silves e a Associação Terras do Infante, constituída pelas Câmaras de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo já nos deram à volta de 50 mil euros em donativos e materiais. A Junta de Freguesia também nos proporciona um apoio imprescindível”.
“Eu sempre lhes disse que estes rapazes estão aqui comigo agora mas vão regressar aos seus municípios. Se saírem daqui melhores é melhor para todos e acho que isso é positivo. Em matéria de solidariedade por parte dos presidentes das câmaras não tenho nenhuma razão de queixa. Têm sido impecáveis”, concluiu.
O Estabelecimento Prisional de Silves aposta fortemente em medidas de formação e integração dos reclusos. A ideia é que ganhem competências e se tornem melhores pessoas e, consequentemente, melhores cidadãos.
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(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)