Era suposto serem cães de assistência. Cada cão custou entre dois a sete mil euros. Os treinos nunca chegaram a realizar-se e muitos cães tinham apenas dois a três meses de vida, novos demais para desempenharem a função.
O caso de sucesso noticiado em todas as televisões e na maioria das revistas e jornais, afinal era uma burla!
Tudo começou em 2015, quando dezenas de famílias, de norte a sul do país, passando pelos arquipélagos e algumas comunidades estrangeiras, acreditaram no fundador da Associação Portuguesa de Cães de Assistência (APCA) e compraram- lhe um cão na expectativa de ganharem mais qualidade de vida.
Rui Fernando Silva Baleiras Elvas, fundador e presidente da APCA, apresentou-se como um conceituado treinador de cães de assistência, capaz de treinar qualquer cão de acordo com as necessidades de cada um. Em três anos, apareceu diversas vezes em todos os canais de televisão, em revistas e jornais, e até em dois jornais exclusivamente online do Algarve, divulgando o seu pioneiro projecto como um caso de sucesso garantido, muitas das quais acompanhado dos pais e das crianças, cuja imagem foi assim utilizada para credibilizar a publicidade e auto promoção de Rui Elvas.
Actividade criminosa continuou mesmo depois de ter sido publicamente desvendada
Segundo a investigação jornalística do POSTAL, o método foi sempre o mesmo e revelou-se infalível, ao ponto de continuar a praticar a sua actividade criminosa, já depois de ter sido publicamente desvendado, em diversos meios de comunicação.
Famílias com crianças com perturbações do espectro do autismo, com deficiências motoras e até invisuais, acreditaram nas promessas de Rui Elvas e pagaram-lhe milhares de euros em troca de um cão de assistência, treinado de acordo com as necessidades de cada um, que lhes iria mudar a vida.
Para além dos animais terem sido entregues apenas com dois e três meses de vida (novos demais para desempenharem a função de cão de assistência, limitando-se assim a meros animais de companhia), os treinos ora prometidos nunca se chegaram a realizar, tendo-se deslocado apenas uma ou duas vezes a casa de cada família, a primeira das quais para proceder à entrega do animal.
Segundo o POSTAL apurou, entre angariação de tampinhas, campanhas solidárias, donativos e poupanças, cada cão custou entre dois a sete mil euros, acrescendo o facto de um animal ter sido vendido com uma doença grave em estado avançado e de haver vários registos de mordidas e de ataques às crianças.
Mas Rui Elvas não ficou por aqui, e começou também a vender o serviço de treino de cães de assistência, a famílias já detentoras de animais.
Uma das vítimas está actualmente a residir na Suíça. Foi no último período de férias em Portugal que lhe foi oferecido o Sam, um cão labrador, com o qual os seus dois filhos autistas se têm dado bastante bem. Foi devido aos diversos vídeos e reportagens emitidos nos meios de comunicação, demonstradores dos benéficos efeitos no desenvolvimento das crianças, que decidiu contactar Rui Elvas, de forma a treinar o Sam como cão de assistência.
Foi assim que no dia 23 de Agosto de 2018 contactou a APCA, tendo Rui Elvas confirmado a sua disponibilidade para se deslocar a Basileia, na Suíça, e realizar um treino de três dias no valor de seis mil euros. Ou seja, um montante bastante superior ao cobrado à maioria das famílias pela aquisição do cão e respetivo treino. Rui exigiu pagamento das viagens e um adiantamento de pelo menos 2.500 euros.
Após acordarem as datas, o pai das crianças adquiriu o voo de ida e volta Lisboa – Basileia, com partida a 14 e regresso a 17 de Setembro, e procedeu ao seu envio juntamente com o comprovativo da transferência, no dia 27 de Agosto. No dia e hora combinados, deslocou-se ao aeroporto, mas, para sua surpresa, Rui Elvas não tinha chegado a embarcar. Tentou contactá-lo diversas vezes, quer nesse dia, quer nos seguintes, mas sem qualquer sucesso. Dias mais tarde apercebeu-se que a página do Facebook da APCA tinha sido fechada e foi através de familiares residentes em Portugal que tomou conhecimento das reportagens emitidas na comunicação social e dos fortes indícios de também ele ter sido vítima da prática de um crime de burla.
Para além de Rui Elvas não ter qualquer formação para treinar cães de assistência e mesmo assim autodenominar-se como treinador credenciado, também a APCA não é entidade credenciada (muito menos a única em Portugal conforme alegava o seu fundador), mas mesmo assim constou inexplicavelmente da lista do Instituto Nacional de Reabilitação, I.P..
A APCA, segundo o seu fundador, era uma associação que trabalhava essencialmente com cães de assistência, já tendo, no entanto, também treinadores formados para ensinarem cães-guia.
Desde o recibo do pagamento mencionar apenas “donativo” em vez de constar a compra e venda do cão e do serviço, aos treinos nunca realizados, até à inviabilidade de contacto fosse por que via fosse, muitas foram as discrepâncias que levaram ao descontentamento e consequente desconfiança por parte dos pais, tendo muitos dos quais tentado anular o negócio, mas apenas alguns conseguido obter o reembolso parcial do pagamento efectuado.