Sabe porque é que fuma? Esta é a primeira pergunta feita pelo autarca médico de Castro Marim aos utentes que pretendem livrar-se do vício do tabaco. Segundo Francisco Amaral, “não existe uma única pessoa que tenha conseguido dar-lhe a resposta certa a esta questão”.
Como é que tudo começou?
Francisco Amaral é formado em medicina e referiu ao POSTAL que esta jornada “teve início há cerca de 30 anos. Na altura eu era médico em Martim Longo e Vaqueiros e ao receitar um medicamento numa estação de saúde apercebia-me de que os doentes tinham dificuldade em ir buscar o medicamento ou, por exemplo, se eu pedia um exame complementar de diagnóstico, os doentes não tinham meios para ir realizá-lo”.
“O costume naquela altura era as pessoas levarem a receita para a sua casa e quando alguém daquele monte/aldeia fosse à vila traria o medicamento”. afirma. Francisco Amaral é peremptório: “sentia-me bastante frustrado por não conseguir ajudar mais os meus utentes”.
“Um presidente de câmara tem poder, dinheiro e meios para resolver tudo”
O médico sublinha que foi precisamente devido a essa questão que decidiu candidatar-se à Câmara Municipal de Castro Marim. “Um presidente de câmara tem poder, dinheiro e meios para resolver tudo”.
“Eu meti carrinhas a transportar as pessoas para as consultas e para a farmácia, criei a primeira Unidade Móvel de Saúde do País e as primeiras campanhas de vacinação contra a gripe em 95, por exemplo”, refere o autarca castromarinense e reforça que tomou “uma série de ações e iniciativas pioneiras no país na área da saúde”, sendo que existe aqui um importante “complemento entre o exercício da medicina e o trabalho na autarquia”.
“Não sei onde acaba o médico e começa o autarca”, confidenciou ao POSTAL.
Francisco Amaral sempre sentiu, ao longo da sua vida, a necessidade de ajudar as pessoas, contribuindo para que estas tivessem qualidade de vida e se regessem por hábitos de vida saudáveis, não fosse o autarca também médico.
A medicação é fornecida gratuitamente pela autarquia
Foi devido a este ímpeto que decidiu implementar este programa em Alcoutim. Em seguida, decidiu aperfeiçoar o programa e implementá-lo em Castro Marim, em conjunto com Dinis Faísca, ex-padre e psicólogo.
O autarca faz todo o acompanhamento médico do doente e Dinis Faísca ajuda na parte psicológica. A consulta decorre dentro do gabinete do presidente do município e a medicação é fornecida gratuitamente pela autarquia.
“Costumo dizer que eu e o Dinis formamos uma dupla invencível na luta contra este vício que é uma toxicodependência”, reforça.
Francisco Amaral refere que “a primeira consulta assusta. Existem pessoas que saem daqui e já não fumam mais sem medicação nenhuma. O que lhes digo? Digo-lhes que o tabagismo mata e mata mesmo e depois conto-lhes uma série de experiências”.
“Muitas vezes pergunto aos pacientes quantos filhos têm e se querem continuar a vê-los”, ao qual respondem “quero, quero. É a coisa que mais quero neste mundo. E muitas vezes digo-lhes: você vai morrer dentro de poucos dias”.
As toxicodependências não têm cura
O autarca esclarece que “a área mais difícil de tratar na medicina são as toxicodependências, exatamente pelo facto de não terem cura”, reforçando o facto de “os recetores de nicotina se terem criado e permanecerem no cérebro. Podem estar adormecidos, mas não morrem. Basta um cigarro, nem que seja um ano, cinco ou dez anos depois e os recetores são automaticamente acordados e volta tudo ao mesmo”.
O autarca questiona os utentes numa fase inicial sobre o motivo destes fumarem. “Fumo porque me faz bem, porque me sinto bem, porque estou muito nervoso”. Estas são algumas das respostas que o médico está habituado a ouvir.
Francisco Amaral devolve-lhes a questão: “e se eu lhe disser que fuma porque está agarrado à nicotina? Se eu lhe disser que é toxicodependente?”
O médico aborda ainda os riscos associados ao tabagismo numa primeira consulta.
“Ao contrário do que se pensa, o tabaco não provoca só o cancro do pulmão. Provoca variadíssimos cancros: boca, esófago, estômago, intestino e bexiga, já para não falar que existem outros cuja origem é exatamente o tabaco”.
“O tabaco entope as artérias. É um fator de risco tão ou mais importante que o colesterol, a diabetes ou a hipertensão, daí os problemas cardiovasculares que são bastante graves”, prossegue o médico.
“O tabaco também provoca muito cansaço” e muitas outras patologias, como é o caso “da tosse matinal, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crónica, complicações cardíacas e mais tarde a morte”.
Francisco Amaral é incisivo: o fumador morre, em média, 15 anos mais cedo do que um não fumador, sublinhando que “é raro um fumador chegar aos 80 anos”.
No programa de cessação tabágica existem pessoas de todas as idades, no entanto, a faixa etária onde geralmente participam mais utentes é o intervalo de idades que se situa entre os 40 e os 50 anos.
As pessoas deixam de fumar ao 10º dia
“Geralmente as pessoas deixam de fumar ao 10º dia, mais coisa, menos coisa”, sendo que “fazemos um acompanhamento presencial no mínimo quinzenalmente para ir estimulando a pessoa e quebrando alguns medos que possam surgir ao longo do processo. Fazemos ainda um acompanhamento constante através do Messenger”.
O autarca salienta que os pacientes devem ter muita atenção aos momentos de “muita tristeza ou muita alegria”, uma vez que serão as alturas em que a tentação de fumar será maior. “Em momentos de grandes alterações emocionais aconselho as pessoas a terem um tranquilizante no bolso para quando existir uma situação de stresse muito elevada”.
Francisco Amaral dá “alta” aos seus pacientes quando estes passam três meses sem fumar, destacando que “podemos considerar que existe uma situação de sucesso quando a pessoa estiver mais de um ano sem fumar”.
O autarca salienta que existiram dois fatores fulcrais para querer implementar o programa: “em primeiro lugar a saúde e depois a economia familiar, que também é um fator bastante preponderante”.
O presidente médico explicou ao POSTAL que “na altura em cheguei a Castro Marim, a crise estava instalada no país. Existiam muitas famílias desempregadas em massa e pessoas a passar muito mal, que inclusivamente não tinham dinheiro para pagar a renda de casa”, pelo que “existiram algumas medidas que tive de implementar como, por exemplo, um acordo com as IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social – para empregar as pessoas mais pobres”, em que “o Instituto de Emprego pagava uma parte e a câmara pagava outra”.
É importante não esquecer que “uma pessoa que ganhe o ordenado mínimo e fume dois maços por dia, gasta metade do ordenado em tabaco ”, alerta.
Francisco Amaral conta com uma ajuda muito importante em todo o processo de erradicação do tabaco – o seu chefe de gabinete Dinis Faísca – que é licenciado em Psicologia e já exerceu durante 14 anos a profissão de padre.
Dinis Faísca reforça a ideia de que “é extremamente difícil deixar de fumar”, sendo que a questão não se prende tanto com a dependência física, “mas sim com a dependência psicológica associada ao cigarro e à questão da nicotina”.
“É importante não esquecermos que existem um conjunto de hábitos e rotinas associados ao tabaco, ou seja, a pessoa associa este vício a determinados momentos, ações e lugares das suas vidas”, acrescenta.
Quebrar rotinas é um fator chave para largar o vício
O psicólogo afirma que o sucesso para vencer esta dependência passa por “quebrar rotinas. Eu não posso eliminar uma rotina, devo é substituí-la por outra mais saudável”, ou seja, “eu não posso estar preocupado com não fumar. Se estou a enviar ao meu cérebro a mensagem de que não posso fumar, estou constantemente a recordá-lo do tabaco”.
“O conselho que dou muitas vezes às pessoas é que interrompam a atividade que estão a fazer, caso sintam desejo de fumar.Se estão ao computador, interrompam e vão beber nem que seja um copo de água, o que já as obriga a focar-se noutra coisa e depois regressar novamente à sua atividade”, reforça o chefe de gabinete.
“Se eu fumava a seguir às refeições, por exemplo, na varanda, então não posso ir para esse local nesses momentos do dia, porque mesmo que não queira fumar, associo este ritual ao que fazia na varanda. Devo tentar ir para outro local da casa e mudar essa rotina para ajudar”, destaca.
Dinis Faísca afirma que sempre teve “este apelo por ajudar as pessoas a ter uma vida melhor, com mais qualidade de vida. E o que é que dá qualidade de vida? É o bem-estar físico, psicológico e a quem acredita, o bem-estar religioso. É esse conjunto que nos traz qualidade de vida”.
Para os responsáveis existem dois fatores que ditam o sucesso desta iniciativa: a disponibilidade permanente e a gratuitidade do programa.
“Tanto eu como o Dinis estamos sempre disponíveis “, pois “temos consciência de que a decisão de deixar de fumar é uma decisão que, por vezes, pode levar anos a ser tomada mas existe um dia em que dá aquele clique”, pelo que “se lhe der o clique hoje que venha aí hoje, que venha já…Nem que não almocemos ou que almocemos mais tarde”, refere o presidente.
Francisco Amaral reforça o facto de já ter mandado pessoas embora por ter percebido que estas ainda não tinham tomado a decisão basilar, de terem a certeza que queriam efetivamente deixar de fumar. “Não existem meias decisões nem meias tintas. Aqui ou é sim ou sopas. Quando eu vejo que uma pessoa ainda não decidiu, mando-a vir cá daqui a uns meses ou daqui a um ano”, pois “este vício não se compadece com meias vontades”.
Outro fator importante do programa é a gratuitidade, uma vez que as pessoas de Castro Marim têm acesso à medicação a custo zero. “De momento temos entre 20 a 30 pessoas a fazer o tratamento, no entanto, todos os dias surgem novas pessoas”, conta.
“É muito gratificante ver o orgulho e a felicidade estampada no rosto das pessoas quando vencem esta dependência. Para mim e para o Dinis é impagável”, salienta o autarca com um notório brilho nos olhos.
O presidente diz que se sente bem “a conversar com as pessoas olhos nos olhos. Não é necessário fazer marcação, basta aparecerem. Existem sempre dois minutos para ouvirmos quem precisa”.
O POSTAL falou com duas participantes do programa para tentar entender como é que tudo se processou.
Rosa Cavaco tem 63 anos e é funcionária pública.
Ao POSTAL contou que “começou a fumar com 35 anos, numa mera brincadeira”.
“Comecei a fumar porque o meu companheiro fumava e disse-me para fumar um cigarrinho. Ao primeiro cigarro ainda comecei a tossir, mas depois foi uma brincadeira que durou 24 anos”, refere a sorrir.
A paciente conta que “efetivamente a médica de família já me tinha dito muitas vezes, para deixar de fumar e eu cheguei mesmo a tentar duas vezes mas sem resultados positivos”.
Rosa Cavaco salienta que “quando o Dr. Amaral entrou para a câmara, decidi vir à consulta com ele e foi a melhor coisa que fiz”.
“Geralmente fumava 9 ou 10 cigarros por dia, mas existiram alturas em que fumei quase dois maços também”.
“A melhor coisa que fiz foi ter vindo falar com o presidente” e até “a minha filha mais velha deixou de fumar por minha causa”. O melhor conselho que posso dar aos fumadores é que “deixar de fumar é a melhor coisa que podem fazer”.
Por sua vez, Maria Armanda, de 37 anos, trabalhadora na salina de Castro Marim, conta que começou “a fumar aos 21 anos quando soube que estava grávida porque foi um período de muito stresse”.
“Eu fumava um maço de tabaco por dia e depois com o stresse do trabalho, a rotina do dia-a-dia, as discussões em casa, entre outros fatores, fizeram com que começasse a fumar tabaco de lata”.
A paciente refere que “fumava uma lata por dia. Eu levantava-me às 5:30 da manhã e a primeira coisa que fazia era meter um cigarro na boca, inclusivamente antes de comer”.
Maria Armanda confidenciou ao POSTAL como tomou a decisão de deixar de fumar. “Por acaso foi um momento engraçado. Eu estava numa feira em Vila Real de Santo António, em que chovia, fazia frio, vento e eu não conseguia fazer um cigarro. E então fiz uma publicação no facebook a desabafar a situação”, sendo que “entretanto recebi uma mensagem do Dr. Amaral a perguntar se já tinha tentado deixar de fumar e para vir falar com ele à câmara”.
“A primeira consulta assustou-me bastante. O presidente disse-me que “podia ter um AVC, que o tabaco fazia cancro na garganta, nos pulmões e que poderia vir a sofrer de outras doenças devido ao tabaco”.
A ex-fumadora deixa o conselho para quem pretender tomar a decisão de deixar de fumar: “aproveitem a oportunidade. Esta foi uma decisão muito importante na minha vida!”
Rosa Cavaco e Maria Armanda são a prova viva de que deixar um vício pode ser difícil, mas não é impossível. Ambas têm um fator curioso em comum nesta luta contra o tabagismo: deixaram de fumar ao mesmo tempo, há cerca de quatro anos, e desde aí nunca mais pegaram num único cigarro.
Milagre ou não, o facto é que esta “dupla invencível” está a conseguir acabar com esta dependência em Castro Marim, apresentando taxas de sucesso na ordem dos 85%.
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)