No último artigo, “Pode a arte visual ser “expressa” para os cinco sentidos?”, abordámos a conceção de tecnologia que permite apreciar obras de arte, não apenas através da visão, mas também através do olfato, do paladar, da audição e do tato.
Este é um exemplo que permite compreender o posicionamento de várias especialistas que consideram que a inovação tecnológica está a começar a ser a “chave” para a arte do século XXI (eg, Stephen Wilson no seu livro “Art+Science”, 2010).
Se é a “chave” não sabemos, mas a utilização de novas tecnologias é cada vez mais frequente nas artes visuais.
A este propósito, parece-nos interessante a exposição LUZAZUL, de Miguel Soares, no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), no Chiado, inaugurada em 22 de novembro de 2018.
Esta é a terceira edição do projeto SONAE / MNAC Art Cycles, que tem como objetivo promover a criação artística livre e aproximar a sociedade à arte.
Nesta exposição somos transportados para um futuro próximo em que a paisagem urbana parece já não depender de humanos, mas de uma inteligência superior.
LUZAZUL, para além da curiosidade de ser um palíndromo composto por duas palavras, Luz e Azul, que, juntas, se podem ler tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita, refere-se a um tipo de luz que apareceu recentemente, sobretudo com a introdução da televisão e das tecnologias informáticas (écrans, projetores de vídeo, LEDs, smartphones, etc). Por ser recente a sua utilização e interação com o ser humano, tem-se colocado a questão dos eventuais perigos da exposição prolongada a este tipo de luz.
Partindo deste mote, a exposição LUZAZUL projeta-nos num futuro que pode ser mais próximo do que possamos pensar, tendo em conta o rápido avanço da inteligência artificial, que poderá dar origem a uma evolução exponencial das máquinas e da automação, transformando profundamente o mundo em que vivemos. Segundo a teoria da “Singularidade Tecnológica”, de Ray Kurzweil, em que se baseia esta exposição, o ano de 2045 será o momento chave dessas transformações. Antecipa-se um mundo automático onde o ser humano encontra as suas necessidades de serviços básicos satisfeitas por máquinas ou robots dotados de inteligência artificial, sentindo-se livre para se dedicar às suas genuínas vocações. Contudo, nesse momento, novos problemas se colocam, nomeadamente a realidade hipotética em que as novas máquinas tomam consciência de si e procuram reivindicar mais tempo livre, mais liberdade e direitos, criando um paralelismo com as lutas desenvolvidas pelos humanos em séculos anteriores, e levando-nos a questionar se esta luz azul será a “luz ao fundo do túnel”.
Assim, a exposição LUZAZUL propõe refletir sobre a realidade hipotética em que as novas máquinas tomam consciência de si e procuram reivindicar direitos sociais, sendo o culminar de um percurso artístico desenvolvido por Miguel Soares, dedicado à reflexão e à conceptualização do mundo real versus virtual.
Miguel Soares concebeu e desenvolveu um projeto original assente numa visão futurista da sociedade, explorando o conceito da automação e da inteligência artificial no contexto da 4ª Revolução Industrial.
Para além desta exposição, foi desenvolvido um programa de atividades paralelas repartidas entre masterclasses realizadas pelo artista, conferências e conversas em torno dos grandes temas da exposição: a robotização, a inteligência artificial e a ficção científica.
Uma das três masterclasses realizadas teve lugar na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, no dia 7 de fevereiro, com a moderação de Pedro Cabral Santo, tendo sido inserida nas atividades do Doutoramento em Média-Arte Digital, uma parceria entre a Universidade do Algarve e a Universidade Aberta.
Em relação à exposição, poderá ainda ser visitada até ao dia 24 de fevereiro de 2019.
Um trabalho que traduz um esforço de síntese através da produção artística intitula-se “Time” (ver figura 44), que procura representar, sintetizando, a principal ideia do filme de ficção científica “Sem tempo” (“In Time”).
Este filme, realizado por Andrew Niccol, e com Justin Timberlake no papel principal, pretende trabalhar a hipótese de como poderá vir a ser a sociedade no futuro. As pessoas pararíam de envelhecer aos 25 anos, começando a partir daí o seu tempo de vida a diminuir, sendo cronometrado numa imagem que aparece no braço direito de cada um, podendo ser ganho mais tempo através do trabalho. Mas o tempo também pode ser oferecido por outros, em particular os pais, como se se tratasse de uma herança, ou o tempo pode ainda ser contraído por empréstimo, como se se tratasse de um empréstimo bancário. Desta forma, o tempo seria a “moeda” de troca desta sociedade, substituindo o dinheiro. Tal como na sociedade actual há ricos e pobres, também nesta sociedade haveria mundos diferentes, com fronteiras entre eles, sendo necessário pagar com tempo para passar essa fronteira. Por um lado, teríamos pessoas com muito tempo para viver ou gastar, predominando o ócio e um ritmo de vida lento e, por outro, teríamos pessoas com pouco tempo de vida, vivendo o dia-a-dia de forma rápida e intensa, tendo que trabalhar ou conseguir tempo de alguma forma, para poderem viver mais algum tempo. Na sociedade atual o tempo tem um elevado valor, mas neste filme a sua importância é levada ao extremo.
Procurámos sintetizar a mensagem principal deste filme através duma tela pintada em preto e branco, sendo estas cores separadas claramente, como se se tratasse duma fronteira que separa dois mundos, o mundo “branco”, das pessoas com mais tempo, e o mundo “preto”, das pessoas com menos tempo para viver. No mundo “preto” está colada uma foto a preto e branco de uma imagem do filme, com o ator Timberlake a correr preocupado para conseguir mais tempo e ambicionando conseguir passar a fronteira para o outro mundo. Por seu turno, no mundo “branco” está colada uma foto a cores do mesmo ator bem vestido e com uma postura calma, mas olhando para trás, com receio de passar para o lado “preto”, em que o tempo de vida é reduzido.
Na fronteira está colada uma imagem do cronómetro existente no braço de cada um, com a indicação do respetivo tempo de vida, sendo reduzido num mundo e elevado no outro. Aparece ainda colado um cronómetro real debaixo do qual estão duas notas, uma em euros e outra em dólares, traduzindo que o tempo se sobrepôs e veio substituir as principais moedas nas transações atuais. Com grande destaque está a palavra “Time”, sendo mais largas as letras que estão pintadas no lado branco e mais estreitas as que estão pintadas no lado preto, traduzindo o fato de terem mais ou menos tempo de vida as pessoas de cada um dos dois lados. Como se trata de tempo de vida, a palavra está pintada em vermelho, escorrendo gotas ao longo da tela, como se se tratasse de sangue, símbolo da própria vida.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Fevereiro)