Joana Fontes e Nuno Jordão são dois enfermeiros residentes no Algarve que embarcaram, de braços abertos, na missão portuguesa em Moçambique. A 4 de março de 2019 formou-se, na costa Leste de Moçambique, o ciclone Idai. A 14 de março, a força deste fenómeno da natureza atingiu a cidade da Beira, deixando para trás um rasto de destruição.
Esta foi a primeira missão da enfermeira do Hospital de Faro que explicou ao POSTAL que “o convite surgiu de uma grande amiga minha que faz parte da Cruz Vermelha Portuguesa e mandou uma mensagem a perguntar se eu queria integrar a equipa da Missão Embondeiro e eu, não pensei duas vezes, este era um sonho que eu já tinha há muito tempo e aceitei”. Joana chegou à cidade da Beira a 9 de maio, onde permaneceu durante duas semanas.
Nuno é voluntário da AMI há muitos anos e diz ao POSTAL que “já participei em diversas missões com eles e com outras organizações também. Numa situação de emergência como esta, é preciso pessoas que estejam disponíveis imediatamente, o que nem sempre é fácil, até porque já tenho uma filha e soube que ia ser pai pela segunda vez um dia antes de ir, e foi tudo um misto de emoções”.
Nunca ninguém está preparado para ir para um cenário destes
No que diz respeito a esta experiência, os dois jovens ficaram “muito agradecidos ao Hospital de Faro pela dispensa que nos permitiu embarcar nesta aventura” e partilham da mesma opinião: “nunca ninguém está preparado para ir para um cenário destes, é um contexto de catástrofe. Quando partimos levamos motivação, vontade, mas nunca estamos preparados, nem em termos culturais, nem em termos daquilo que podemos ver no terreno”. Para esta missão, a Cruz Vermelha Portuguesa e os Médicos do Mundo levaram para a Beira, além dos enfermeiros, equipas de psicólogos, preparados para realizar atividades psicossociais que Joana considera “de extrema importância no impacto para o comportamento infantil, são crianças que andam na rua, sem amor, e afeto familiar”.
Quanto às adversidades que encontraram, Nuno é muito assertivo, dizendo que “aqui temos os meios todos à nossa disposição e lá temos de jogar um bocadinho com a improvisação, temos de utilizar aquilo que existe e ser criativos. Houve alturas em que uma cama dava para três crianças, as mães colocavam um pano seu por baixo de cada criança e tínhamos de utilizar o espaço disponível”.
No que toca à missão desenvolvida pelos portugueses em Moçambique, o enfermeiro explica ao POSTAL que “o foco principal da emergência foi o surto de cólera. Esta é uma doença que já é endémica em Moçambique e, obviamente que um evento desta natureza, podendo afetar infraestruturas, vai fazer com que ainda se propague mais. Para além do tratamento dos pacientes, era nossa função identificar, também, os locais onde estes foram contaminados de forma a poder sinalizar as fontes de cólera e descontaminá-las”.
Durante a sua permanência na Beira, os jovens trabalharam “conjuntamente com equipas locais”, criando uma comunicação no terreno e criando a oportunidade de que o trabalho iniciado possa ser continuado pelos profissionais de saúde locais. “A Cruz Vermelha integrou a missão a par com os Médicos do Mundo, já numa fase de desenvolvimento em que o foco dos trabalhos era o desenvolvimento e a parceria de cuidados. Houve muita partilha de conhecimento da nossa parte para eles e deles para nós. Aqueles profissionais têm um conhecimento muito mais capaz relativamente às epidemias a que estão mais habituados, acabaram por nos ensinar muito também”, diz Joana ao POSTAL, acrescentando que “embora lá exista uma finitude de materiais, isso não impede que os cuidados sejam efetuados com qualidade, nem impede a potenciação da capacidade de aprendizagem”.
Esse amor, por vezes, salva tudo
Em jeito de balanço da sua estadia na cidade da Beira, o voluntário da AMI afirma que “foi muito especial, estamos a falar de Moçambique que tem aquela aura muito própria e é um país com um ritmo muito seu também. Estive lá um mês, cheguei à Beira duas semanas depois do incidente e sinto que vim de lá mais humanizado”. Também Joana diz que a experiência mudou a sua vida, “por vezes aquelas pessoas que tinham perdido tudo só precisavam de um abraço, de colo, e isso fez com que eu desse mais valor a muita coisa”.
Para trás, os jovens deixaram momentos, experiências e pessoas que marcaram as suas vidas. Consigo trouxeram as memórias e as histórias de um povo “muito resiliente, mas carenciado em amor, e esse amor, por vezes, salva tudo”.