Apesar do desmonte que o campo dos museus vem sofrendo no Brasil (e já agora, a ameaça a todas as estruturas democráticas de poder) é preciso manter a memória viva e alerta, conhecendo a história e todos os seus avanços, para sabermos reconhecer os retrocessos quando nos deparamos com eles. Por isso, há que se ter memória!
E para que estejamos atentos, trago à mesa aquilo que considero um dos maiores avanços do setor museológico brasileiro nos últimos tempos: a criação da Política Nacional de Educação Museal (PNEM), publicada em Diário Oficial da União pela Portaria nº 422, de 30 de novembro de 2017, com direito, inclusive, a uma publicação do IBRAM no primeiro semestre deste ano – o Caderno da PNEM*.
Após o lançamento da Política Nacional de Museus (PNM) em 2003, a criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) ** em 2009, a recém lançada PNEM deve ser compreendida não apenas como uma política pública, mas como uma consolidação de um modo de fazer política no campo dos museus. É preciso falar da importância que o processo de construção da política representa, sobretudo diante de um cenário que já evidenciava, a parcelas, o esfacelamento do setor museológico.
A PNEM aponta princípios e diretrizes para o campo da Educação Museal, a partir de um amplo processo participativo e integrador. Este, teve por base o diálogo e a reflexão proveniente de espaços coletivos de discussão, iniciado pelo IBRAM em 2010 e concluído no ano passado. Durante estes sete anos, o trabalho contou com a participação de servidores técnicos do IBRAM, dos profissionais do setor, professores, estudantes e usuários de museus interessados. Contudo, houve um protagonismo dos educadores em museus de todo o território nacional, presentes seja através das Redes de Educadores em Museus de vários estados, seja pelo compromisso das suas respectivas instituições ou mesmo individual.
Resolvi trazer este caso, pois percebo que tanto aqui em Portugal como lá no Brasil existe um histórico de instituições museológicas predominantemente ligadas à estrutura do Estado, portanto, ao serviço deste, o que não quer dizer, necessariamente, que estão ao serviço da sociedade. Ao contrário do esperado, as instituições parecem anular-se enquanto parte da sociedade, reproduzindo o discurso que o Estado, enquanto poder político, deseja.
Este estratagema evoca na nossa memória os tempos do Estado Novo (tanto português como brasileiro), porém, com um discurso que surge dissimulado por entre os gracejos das inovações tecnológicas e a diversidade de recursos expositivos mais interativos, expressivos, etc. Assim, a ação educativa parece não passar de um serviço do Estado (paternalista) – da instituição para a sociedade.
Por isso, falta-nos a renovação do modus operandi. Parar de produzir narrativas “pintadas de rosa”, nas quais tudo é bonito e não existem questões fraturantes. Importante parece ser o aprofundamento do nosso papel social, alterando o modo de fazer: passar do “fazer para” ao “fazer com”.
É preciso colocarmo-nos como parte integrante da sociedade e, enquanto gestores e profissionais de museus, assumirmos o papel de construção conjunta por uma sociedade mais equilibrada. A corresponsabilidade pelas políticas públicas e pela promoção de espaços de diálogo e reflexão é fundamental, sobretudo, no contexto privilegiado da construção de narrativas de memória e património.
Acredito que processos como o caso da PNEM contribuem para um amadurecimento, não apenas das instituições públicas, mas, também, para a maturação da própria cidadania. Talvez este seja o ponto mais importante: o exercício da participação cidadã por pessoas, coletivos, instituições formais, públicas e privadas que, de forma associada, responsabilizam-se por algo que é de todos e para todos.
A participação está relacionada ao processo de conscientização acerca da importância da nossa função social. Mas, para isso, há que se passar à ação!
* Disponível em: https://www.museus. gov.br/wp-content/uploads/2018/06/Caderno- da-PNEM.pdf
** Órgão Federal recém extinto pelo governo “Temeroso”, dando lugar a ABRAM – Associação Brasileira de Museus.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Novembro)