Jorge Sá Eusébio, enviado da agência Lusa
O consultor independente Jon Worth, que já cruzou todas as fronteiras entre países da União Europeia (UE) de comboio, disse à Lusa, em Santiago de Compostela, que fazer a ligação entre Portugal e Vigo “foi uma confusão dos diabos”.
“No ano passado, atravessei todas as fronteiras internas da União Europeia que se podem cruzar de comboio. Em cada par de países que existe, eu atravessei essa fronteira pelo menos uma vez”, disse à Lusa em Santiago de Compostela, onde foi orador num ‘workshop’ sobre transportes transfronteiriços no evento anual do Interreg, o programa da União Europeia para dinamizar zonas de fronteira.
O ativista e professor universitário, autor do projeto CrossBorderRail, que consiste precisamente em “viajar para [os locais] e investigar linhas ferroviárias transfronteiriças na Europa”, enviava diariamente um postal ilustrado com o estado da fronteira à comissária europeia dos Transportes, Adina Vălean, de cada vez que cruzava países.
Segundo a apresentação feita pelo próprio, entre países da UE, “algumas linhas transfronteiriças caíram no abandono”, “noutras as linhas existem, mas não há comboios de passageiros”, “quando os comboios andam, os horários são pobres” e “problemas de informação e bilhética tornam complicado o atravessamento da fronteira”.
“Estou a ir para cada uma destas linhas internacionais para avaliar o que funciona ou não funciona no terreno, em cada um desses sítios, e o que pode ser melhorado”, indo “à base, no terreno, e fazendo propostas e sugestões simples de como tornar essas viagens transfronteiriças muito mais fáceis”.
Para chegar a Santiago de Compostela, viajou a partir de Portugal, onde esteve a fazer trabalho de campo, e classificou a chegada à Galiza, em Vigo, vindo do Norte de Portugal, como “uma confusão dos diabos”.
Tendo feito várias paragens desde Lisboa, nomeadamente em Coimbra, Aveiro, Nine e Viana do Castelo, Jon Worth acabou por apanhar o comboio Celta em Viana, mas o comboio avariou naquela estação “porque é um comboio com 40 anos, e é um comboio velho e exausto”.
Dificuldades semelhantes de comboio para Lisboa ou Faro
“Então tive que apanhar um regional para Valença e depois um autocarro para chegar a Vigo”, explicou, e adicionando à confusão, não encontrou um sítio para estacionar a bicicleta na Cidade da Cultura, um grande centro de congressos e cultural na capital galega que albergou o evento anual do programa Interreg, e ainda foi abordado pela Polícia Nacional espanhola para desamarrar a bicicleta de um poste, por questões de segurança.
As dificuldades de Jon foram semelhantes às da dezena de jornalistas portugueses, a maior parte de meios regionais, que vieram cobrir o evento vindos de Lisboa, Porto, Braga, Vila Real, Bragança, Portalegre ou Faro, em longos trajetos de avião, autocarro, comboio e automóvel, com longas escalas, voos perdidos, mudanças de transporte e, no fim, muito cansaço para chegar à capital da Galiza, que fica a 115 quilómetros de Valença.
Para Jon Worth, “Porto – Valença é OK, a cada hora ou duas há um comboio regional, serve a região, mas o problema da secção fronteiriça é que nem os portugueses bem os espanhóis têm um comboio [elétrico] que pode andar o caminho todo”, já que o trajeto é feito a diesel, por debaixo de catenária que tem duas tensões diferentes dos dois lados da fronteira, além de sistemas de sinalização também distintos.
“Há uma oportunidade clara para melhorar aí, tem que se fazer uma boa conexão regional a cada hora ou duas entre Vigo, Tui, Valença, Viana do Castelo e depois para o Porto”, disse, considerando que “é possível conectar sítios como esses com um bom comboio”.
Questionado acerca do desenvolvimento que não acontece enquanto se espera por uma linha de alta velocidade, Jon Worth disse à Lusa que “isso acontece em todo o lado pela Europa”, deixando que “o comboio normal se vá desfazendo”.
“Isso é muito, muito mau. É preciso solucionar os problemas que se podem solucionar de imediato”, assegurando que “basicamente toda a gente tenha o melhor comboio possível” na sua circunstância local.
Sobre outras fronteiras ferroviárias entre Portugal e Espanha, Jon Worth considerou a ligação de Lisboa a Madrid como “absolutamente horrível”, “ainda pior que Porto-Vigo”.
“Era preciso os ministros dos transportes [no caso português João Galamba, das Infraestruturas] dos dois países se sentarem para encontrar soluções para resolver isso. É sobretudo um problema operacional”, considerou, falando em falta de “vontade política”.
Ainda assim, e apesar dos comboios serem “velhos”, haver “muitos troços com via única” e por vezes as velocidades serem “bastante baixas”, deixou elogios à facilidade de transporte de bicicletas nos comboios portugueses, aos funcionários, e disse que a bilhética é “OK”, mas defendeu mais investimento em infraestrutura e digitalização, para saber “se o comboio está a horas” de forma mais simples, em tempo real.
“Olhe-se para as pessoas que apanham o comboio em Portugal. São mesmo pessoas bastante diferentes da sociedade portuguesa. São novos, são velhos, são famílias, são pessoas de negócios, é algo que toda a gente na sociedade usaria. Eu acho que isso é bom”, observou.
A Lusa viajou a convite da Comissão Europeia
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