Terão as grutas do Algarve sido habitadas por Neandertais e outros homens do Paleolítico? Constituíram santuários e necrópoles de povos pré-históricos? Existirá fundamento material para as lendas alusivas aos Mouros relacionadas com muitas destas grutas ou cavernas?
Estas e muitas outras questões se colocam sobre a relação que ao longo dos tempos foi estabelecida entre os nossos ancestrais e as grutas existentes no território hoje algarvio. Na realidade, as características geológicas de extensas áreas do Algarve revelam-se favoráveis à presença de tais formações endocársicas, desde o extremo Barlavento até Tavira, e a importância de as estudar tem sido reiteradamente propalada por arqueólogos, desde o último quartel do século XIX, incluindo o insigne Estácio da Veiga. Porém, poucos foram os trabalhos arqueológicos subordinados à pesquisa dos espaços subterrâneos naturais nesta região e, embora existam já algumas respostas para as dúvidas acima colocadas, o facto é que pouco se sabe ainda sobre o tema. Tal situação de desconhecimento conduz a uma vulnerabilidade acrescida desse património face à pressão humana, principalmente devida à modificação do barrocal provocada pela construção civil, laboração de pedreiras e implementação de grandes projectos agrícolas.
É por estes motivos que se justifica plenamente o projecto em curso a que se deu o nome ProPEA – Projecto Património Espeleológico do Algarve, que está na base de um Acordo de Colaboração estabelecido entre a Direção Regional de Cultura do Algarve e a Universidade do Algarve. Neste enquadramento, o trabalho preconizado consiste, fundamentalmente, na inventariação e caracterização patrimonial das cavidades naturais no Algarve, de modo a melhor aquilatar o respetivo interesse patrimonial, com a tónica no património arqueológico. Paralelamente, estão a ser estudados os procedimentos e métodos mais adequados à salvaguarda e valorização desse recurso cultural no âmbito de Estudos de Impacte Ambiental e dos Instrumentos de Gestão Territorial.
O trabalho até aqui realizado revelou já a existência de jazidas arqueológicas relevantes que permaneciam ignoradas, e que a seu tempo serão devidamente divulgadas, existindo fortes probabilidades de ocorrerem descobertas significativas adicionais ao nível do património cultural. A articulação que se procura estabelecer entre entidades estatais, meio universitário e associações, numa perspetiva de colaboração interdisciplinar, poderá propiciar e até catalisar um aproveitamento sustentado dos recursos de natureza espeleológica, sobretudo do ponto de vista científico e da divulgação cultural, mas também enquanto fulcro de sensibilização em relação a um património que fica recorrentemente negligenciado ou olvidado.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de março)