Há novos indícios que ligam Vladimir Putin a ativos de cerca de 4,3 mil milhões de euros, nomeadamente propriedades e iates que parecem ter sido postos ao dispor do Presidente russo por amigos e oligarcas. O rasto é digital e sugere que casas de férias e outros bens, que pertencem ou já pertenceram a outros indivíduos na esfera de Putin, estão ligados por um domínio de e-mail comum, o LLCInvest.ru.
A investigação do OCCRP (Projeto de Denúncia de Crime Organizado e Corrupção) e do site russo Meduza – que foi também publicada em órgãos como o francês Le Monde, o alemão Der Spiegel ou o britânico “The Guardian” – conseguiu acesso a trocas de e-mail, que datam de setembro, que mostram que diretores e administradores de algumas das entidades, aparentemente distintas, discutiram problemas como se fizessem parte de uma única organização. Parece assim comprovar-se que existe uma “gestão comum” dos bens e que a LLCInvest é uma espécie de cooperativa ou associação “através da qual os seus membros podem trocar rendimentos e propriedades”, afirma um especialista russo no combate à corrupção, que pediu para não ser identificado.
Há já quase duas décadas Putin tem sido acusado de acumular secretamente uma grande riqueza: os “Pandora Papers”, por exemplo, faziam referência às fortunas das pessoas mais próximas ao Presidente russo. O empresário Sergei Kolesnikov alegou, há mais de dez anos, que estaria por trás de um esquema que permitia a um grupo de oligarcas russos juntar milhares de milhões de rublos numa espécie de “fundo de investimento” para benefício de Putin. Moscovo negou as acusações e Sergei Kolesnikov teve de fugir da Rússia.
No mês passado, o governo britânico comparou o “estilo de vida luxuoso” de Putin com registos oficiais russos que listavam apenas em seu nome “ativos modestos”, como um pequeno apartamento em São Petersburgo, dois carros da era soviética, da década de 1950, e uma pequena garagem.
AS NOVAS DESCOBERTAS
O OCCRP identificou 86 empresas e organizações sem fins lucrativos cujos representantes utilizam o domínio comum LLCinvest. Um porta-voz do Kremlin apressou-se a negar o envolvimento de Vladimir Putin: “O Presidente da Federação Russa não está de forma alguma ligado ou afiliado aos objetos e organizações nomeados.”
De acordo com o OCCRP, os ativos associados a organizações corporativas que usam o domínio de email em causa incluem, por exemplo, um palácio que Alexei Navalny afirmou ter sido construído para uso pessoal de Putin em Gelendzhik, no Mar Negro. O oligarca multimilionário Arkady Rotenberg – sancionado pela UE e pelos EUA – reivindicou depois a sua propriedade. Os registos do banco de dados russo Spark mostravam, em junho, que a propriedade pertence à empresa Kompleks, controlada pela Binom. O diretor da empresa Binom tinha, até pelo menos julho do ano passado, um domínio de e-mail LLCInvest.ru. O endereço LLCinvest.ru é, aliás, referido como contacto de interesse no Spark, o maior banco de dados de empresas da Rússia.
Soma-se a propriedade das vinhas em redor do palácio Gelendzhik. Navalny afirmou que se tratava de um hobby de Putin, que escapou ao seu controlo. Essas vinhas pertencem a uma organização sem fins lucrativos fundada por dois associados de Putin, Gennady Timchenko e Vladimir Kolbin, ambos também sob sanções ocidentais. Vladimir Kolbin e outras pessoas associados a este negócio têm contas de e-mail LLCInvest.ru.
Também é listada uma estância de esqui, em Igora, em Leningrado, onde decorreu o casamento de uma das filhas de Putin, em 2013. De acordo com os registos, o local pertence à Ozon, uma empresa da qual Yuri Kovalchuk, amigo de Putin, presidente e maior acionista do Banco Rossiya, também sancionado pelo Ocidente, detém uma grande parte. A conta de e-mail LLCInvest.ru é um contacto que consta no Spark como pertencente à empresa-mãe da Ozon, a Relax.
Outra das descobertas prende-se com um aldeamento a norte de São Petersburgo, conhecido pelos habitantes locais como a Dacha [russo para casa de férias] de Putin. A Villa Sellgren era detida por Oleg Rudnov, amigo de infância de Putin, e foi herdada pelo seu filho, Sergey Rudnov, através de uma empresa, a North. Sergey Rudnov também utiliza endereços de e-mail LLCinvest.ru.
Já sobre um edifício a norte de São Petersburgo, conhecido como “Cabana do Pescador”, e-mails de uma empresa de construção revelam que três empresas com o mesmo domínio no endereço eletrónico possuíam diferentes parcelas de terreno. Uma quarta entidade, também com e-mail que refere a LLCInvest – uma organização sem fins lucrativos que se denomina “Recuperação de tradições marítimas” – geriu a construção. Sobre essa fundação surgem ainda dados curiosos: tornou-se recentemente alvo de sanções ocidentais e possui dois iates, Shellest e Nega, que o Tesouro dos EUA diz estarem ligados a Putin.
Os 4,3 mil milhões de euros em ativos mantidos pelas entidades LLCInvest incluem depósitos avultados em bancos. Duas fundações sem fins lucrativos, cofundadas por Timchenko e Kolbin, que utilizam o mesmo domínio, têm fundos significativos à sua disposição.
LLCinvest não é um domínio de e-mail padrão aberto ao público: está ligado a um servidor da Moskomsvyaz, uma empresa de telecomunicações que tem ligações estreitas com o Banco Rossiya, a instituição bancária de São Petersburgo que está sob sanções ocidentais e que foi descrita pelo Tesouro norte-americano como “o banco pessoal para altos funcionários da Federação Russa”, ou, mais simplesmente, como o “banco de Putin”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL