A Ilha da Culatra é uma ilha portuguesa situada na Ria Formosa em frente a Olhão e pertence administrativamente ao Município de Faro. A ilha tem vários serviços que são disponibilizados à população. O POSTAL quis saber um pouco mais sobre as condições de quem lá vive, bem como os principais problemas que assolam a ilha e os moradores. Deste modo, falámos com Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).
Associação foi criada com o objetivo de defender melhores condições de vida para a população residente
Sílvia Padinha começou por referir ao POSTAL que “a associação foi criada em 1987 com o objetivo de defender melhores condições de vida para a população residente e surgiu na altura em que foi criado também o Parque Natural da Ria Formosa. Nessa mesma altura houve uma investida no sentido de demolição de casas e aí a população começou a aperceber-se de que estava numa situação insegura relativamente à ocupação das mesmas. É de referir que até à data o Estado estava de costas voltadas para a população, pois as ilhas praticamente não eram conhecidas, as pessoas que viviam cá não tinham o conhecimento do que se passava lá fora e vice-versa”.
“Os serviços eram mínimos, pois tínhamos a escola, o médico de vez em quando, não tínhamos água, luz, esgotos, nem condições de trabalho e mesmo a nível da educação existia uma escola com muitos problemas.
Foi a partir daí que a população se uniu e começou a reivindicar, para além da legalização das casas, melhores condições de vida e outros serviços, nomeadamente na área da saúde, educação, ambiente, entre outros”, acrescentou.
Na Ria Formosa residem cerca de 400 famílias
Na Ria Formosa residem permanentemente cerca de 400 famílias, sendo que os homens se dedicam à atividade piscatória, nas cerca de 100 embarcações de pesca artesanal local e pesca costeira, e também à apanha de bivalves.
Como explica Sílvia Padinha, “99% da população vive dos recursos naturais. Está tudo interligado: as mulheres trabalham na apanha da amêijoa e os homens na pesca. É, portanto, feita a apanha da amêijoa juvenil na ria, é feito o repovoamento dos viveiros e os homens com pequenas embarcações de pesca desenvolvem as suas funções na ria e no Oceano Atlântico. Depois existem aqui alguns estabelecimentos comerciais, cerca de nove cafés e restaurantes, que para além de serem local de convívio da população local, também acolhem aqueles que visitam a ilha. A exploração desses estabelecimentos comerciais é feita por famílias de pescadores. Temos também três pequenas mercearias que abastecem a população local”.
Na Ilha da Culatra existem diversas infraestruturas de apoio à população
Na Ilha da Culatra existem diversas infraestruturas de apoio à população, tais como, o centro de apoio social – que presta apoio a crianças e idosos – que inclui creche, jardim de infância e atl, apoio domiciliário ao idoso, uma escola que funciona até ao sexto ano, o centro de saúde, a casa da Cruz Vermelha, a delegação da junta de freguesia, as associações (navegantes, associação de moradores e o Clube União Culatrense) e um posto de telemedicina vocacionado para análises clínicas e enfermagem.
As crianças e jovens da ilha a partir do sexto ano vão para Faro ou Olhão, conforme a sua opção. Quanto ao transporte não pagam barco, tendo transporte gratuito.
Segundo a presidente da associação, “todos os dias estão a acontecer situações novas por resolver. Como costumo dizer, nós somos os bombeiros de serviço 24 horas, pois estamos constantemente a resolver situações e problemas que nos surgem”.
Sílvia Padinha revelou ao POSTAL quais os principais problemas com que se estão a debater e quais as situações que já estão regularizadas.
“A questão do médico neste momento está bem resolvida. Antes tínhamos médico uma vez por semana e existiam muitas falhas. Neste momento temos duas vezes por semana, através da Administração Regional de Saúde do Algarve. Essa era uma das questões problemáticas. Para além dos problemas maiores que têm a ver com as infraestruturas e com mais equipamentos, existem as falhas que acontecem no sistema”.
Cruz Vermelha já afirmou que se não existirem apoios fecha a porta
Um dos principais problemas que assola a Ilha da Culatra prende-se precisamente com a permanência da Cruz Vermelha naquele território. Segundo a presidente da associação de moradores, “a Cruz Vermelha queixa-se que não tem apoios de outras entidades para manter o serviço e tem um valor mensal de despesas de 1.500 euros e já afirmou que se não existirem apoios fecha a porta”.
A Cruz Vermelha foi inaugurada em 2008 através de um projeto de “Apoio ao Mais Próximo” e teve o apoio da Câmara de Faro. “Quando terminou este programa, a Cruz Vermelha deixou de ter apoio e começou a ter dificuldades para suportar as despesas. O que se pretendia é que a Cruz Vermelha arranjasse forma de obter apoio para manter o serviço. A câmara comprometeu-se a reunir com a Administração Regional de Saúde do Algarve no sentido de encontrarem uma solução definitiva, mas até à data ainda nada disseram”, acrescentou.
Os primeiros socorros da ilha são essenciais
A Cruz Vermelha é um dos organismos indispensáveis ao bom funcionamento da ilha e, segundo a mesma, “os primeiros socorros da ilha são essenciais, ainda mais do que em qualquer outro sítio, porque a chegada do médico ou dos socorros aqui é demorada”.
Até ao momento, a Cruz Vermelha já formou várias pessoas ao nível dos primeiros socorros e existe uma colaboradora que vive na ilha e que presta muitas vezes serviços fora do seu horário laboral.
Vamos entregar 1.500 euros mensais à Cruz Vermelha durante três meses
“Como a Cruz Vermelha tem vindo a ameaçar fechar a porta, nós temos tentado arranjar a verba que a Cruz Vermelha acha necessária para dar continuidade aos serviços e o contrato já terminou. O que é que fizemos para tentar contornar esta situação? Pois bem, a associação de moradores, o Clube União Culatrense, a Associação Nossa Senhora dos Navegantes e a população da Culatra comprometeram-se a entregar 1.500 euros mensais à Cruz Vermelha nos próximos três meses. Nós assumimos esta solução temporária até que se encontre uma decisão definitiva e a junta de freguesia também deu um apoio de 2.000 euros anuais. Nós não podemos ficar sem este serviço: é uma questão de vida ou de morte”, afirmou.
Tornar a ilha da Culatra numa ilha sustentável ao nível energético é um dos objetivos
A Universidade do Algarve em conjunto com a Associação de Moradores da Ilha da Culatra e a população estão a trabalhar em conjunto e a unir esforços para torná-la numa ilha sustentável ao nível energético.
Segundo Sílvia Padinha, “ao nível de trabalho já tiramos o rendimento dos recursos naturais, o peixe, o marisco, as várias atividades inerentes ao sector, no entanto, a nível energético é uma pena estarmos num sítio privilegiado ao nível do sol, dos recursos e não os aproveitar da forma mais completa possível. É importante aproveitar os recursos para que as casas possam ser energeticamente independentes, produzir a sua própria energia, através de painéis solares, terem mais conforto, umas janelas próprias, um telhado próprio, entre outros aspetos”.
“Esse é o caminho. E também ao nível do lixo fazer a reciclagem. Fundamentalmente, é irmos tendo comportamentos, atitudes que nos levem a abrir os nossos horizontes de forma a que percebamos o que é ser verdadeiramente sustentável. Nós temos este ambiente maravilhoso à nossa volta e queremos contribuir para um ambiente melhor e mais saudável para todos”.
O projeto da Culatra foi um dos seis selecionados a nível europeu. No dia 24 de Março foi assinado o memorando de entendimento relativo a este projeto, onde foi feita a apresentação à população do mesmo, de forma a dar início aos estudos e à implementação do projeto. O protocolo foi firmado entre a Universidade do Algarve, a Câmara Municipal de Faro, CCDR, Associação de Moradores da Ilha da Culatra e o Comissariado Europeu para as Energias Limpas.
A presidente da AMIC levantou um pouco do véu, “estamos a pensar começar na escola. O projeto tem uma vertente muito interessante, pois pretende dar formação na escola, começando precisamente pelo facto de tornar aquele edifício sustentável a nível energético e depois pretendemos que as crianças e a população em geral possam acompanhar e ter formação no sentido de acompanharem a implementação do mesmo”.
“Nós vivemos dos recursos e vamos ser sempre os primeiros a querer defendê-los. Pretendemos, portanto, estar enquadrados da melhor forma no meio, adotando comportamentos que vão ao encontro daquilo que são práticas sustentáveis e ambientalmente conscientes”, disse.
Culatra foi a primeira comunidade piscatória algarvia a integrar o projeto “a pesca por um mar sem lixo”
A formação é um dos pilares base deste projeto que começa agora a dar os primeiros passos. “Ninguém nasce ensinado e a formação é muito importante para que as próprias pessoas queiram mudar por iniciativa própria. Nós não queremos obrigá-las a mudar, queremos sim que elas percebam as vantagens inerentes à mudança”, acrescentou.
Este caminho já começou a ser trilhado há dois anos através da implementação de outro projeto na ilha denominado “A pesca por um mar sem lixo”. A Culatra foi a primeira comunidade piscatória do Algarve a integrar esta iniciativa e a segunda a nível do país.
“Tudo o que os pescadores encontram de lixo no mar trazem para terra para seguir depois para o sítio próprio. Antigamente, as pessoas tinham o hábito de jogar lixo para o mar, pois não tinham noção que aquilo ficava lá milhares de anos. Hoje em dia a consciência é outra. Eu tinha a ideia de adaptar este projeto “aos caminhantes de um mar sem lixo” porque nós temos uma zona de praia enorme e podíamos disponibilizar sacos em sítios próprios e cada vez que se fazia uma caminhada era só pegar num saco e trazer um pouco de lixo”.
A associação de moradores é constituída pela assembleia geral, a direção e o conselho fiscal, sendo que no todo são 15 funcionários a trabalhar de forma voluntária.
“Sempre foi clara e transparente a ideia de defesa da identidade da Culatra”
Relativamente às casas, a presidente da AMIC referiu que “sempre foi clara e transparente a ideia de defesa da identidade da Ilha da Culatra e isso leva a que as casas sejam regularizadas.
Pretendemos regularizar as habitações da ilha e a regra é que a transmissibilidade do título só seja possível para descendentes de pescadores que vivam cá. Existem critérios impostos pela lei. A ideia é que os títulos não possam ser transmitidos para férias, pois se assim fosse os pescadores deixavam de ter o seu local de trabalho porque deixavam de ter as suas casas, a escola acabaria por fechar, deixava de ter crianças, e perdia-se toda a essência que caracteriza a ilha”.
“O estatuto da Culatra prevê a defesa da identidade da comunidade piscatória, dando os títulos às famílias, sendo que a transmissibilidade é feita só para os herdeiros deles ou para descendentes de pescadores a viver cá. Neste momento estamos em processo de pedido de requerimento do título, pois o estatuto foi aprovado em Outubro. O acordo que fizemos foi manter as casas, a identidade e dar os títulos por 30 anos e isso vai sempre passar de pais para filhos ou outros descendentes de pescadores que vivam cá”.
Foi também criada a escola de iniciação à vela
Na Ilha da Culatra são desenvolvidas diversas atividades relacionadas com o mar. Ao nível da educação foi criada a escola de iniciação à vela, uma parceria da escola, da câmara e da associação de moradores, que permite que as crianças vejam o mar de outra forma, não só a nível de pesca mas também relativamente a outras atividades de lazer que o mar proporciona.
Enquanto associação, “nós achamos que o turismo nunca pode superar a pesca. Tem de existir um equilíbrio. Este novo projeto vem dar possibilidade aos locais de aprenderem uma nova atividade que se relaciona com o funcionamento dos equipamentos. Quanto ao turismo, gostaríamos que fosse mais ecológico e responsável, porque a ilha é frágil e tanto os moradores como aqueles que a visitam devem ter um cuidado redobrado na continuação de manutenção deste espaço”.
“Eu nasci cá, vivo cá e quando fui para fora apercebi-me das dificuldades e agarrei esta missão de defender aqueles que precisam disto para viver, mantendo a identidade da Culatra. Para isso, é necessário fazer deste local um bom sítio para viver, trabalhar e até mesmo para visitar de forma responsável. Gostava ainda que as embarcações que navegam na ria tivessem a preocupação de ser ambientalmente mais responsáveis e amigas do ambiente. Como se podia fazer isto? Transformando as embarcações normais em embarcações a energia solar”, remata Sílvia Padinha.
O POSTAL visitou a ilha quando estavam a decorrer obras
O POSTAL visitou a ilha num momento em que estavam a decorrer obras. Segundo a representante dos moradores, “estão a ser efetuadas através do projeto de intervenção e requalificação do núcleo da Culatra. O objetivo é melhorar o espaço público que estava degradado e dar dignidade ao espaço. Estas obras estarão concluídas até ao final de Abril, em princípio. O objetivo fulcral destas remodelações é melhorar o espaço público, dignificar a Culatra com equipamentos próprios, através do melhoramento dos caminhos, passadeiras, da vegetação, praças públicas tornando a ilha num local cada vez mais desenvolvido, completo e sustentável”.
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)