Através dos tempos, Chefchaouen, pequena cidade do norte de Marrocos, soube preservar as suas heranças ancestrais, o modo de vida da população. A situação geográfica da cidade, o seu tecido socioeconómico constituíram entraves para formas de vida modernas, para a globalização de temporalidades sociais. Foi assim que Chefchaouen se afirmou como uma das primeiras urbes inscritas na lista representativa das comunidades emblemáticas da dieta mediterrânica, reconhecida pela UNESCO em 2010 como património cultural imaterial.
Chefchaouen, está situada na área de reserva da biosfera intercontinental do Mediterrâneo, acolheu, depois da sua fundação em 1471, uma vaga de imigrados mouriscos e judeus da Andaluzia, trazendo nas suas bagagens os seus costumes, modo de vida e as suas tradições. Actualmente, a população urbana, com 42 mil habitantes, guarda permanentemente vivo um património mediterrânico constituido e enraizado ao longo dos séculos.
Na actualidade, Chefchaouen continua a polarizar actividades na sua retaguarda rural. Com efeito, as mulheres e os homens das aldeias transportam cada manhã para os diversos mercados da cidade produtos alimentares bio, como pão, ovos e azeitonas, plantas aromáticas colhidas frescas, figos secos ou frescos, galinhas do campo, produtos feitos com leite e legumes provenientes de parcelas minúsculas. Neste aspecto, a cidade oferece uma variedade de alimentos que caracterizam a refeição mediterrânica, representada em forma de pirâmide com 29 tipos culinários que cobrem o conjunto dos países mediterrânicos.
Como nas outras comunidades representativas, a dieta mediterrânica conserva em Chefchaouen a base alimentar, que é o vector do estilo de vida que reflecte a identidade da cidade. Para o analisar, é necessário considerar o conjunto de saberes-fazer, as tradições que dizem respeito às culturas agrícolas, as sementeiras, as colheitas, o armazenamento, a transformação, a cozinha e, em particular, a forma de partilhar a mesa e de consumir os alimentos.
Contudo, certos factores constituem uma ameaça real para a sobrevivência e dinamismo deste património cultural imaterial. Referimo-nos, entre outros, à modernidade e ao urbanismo, que uniformizam os modos de vida actuais. É esta a razão porque as estruturas sociais e culturais locais de protecção deste património funcionam e resistem admiravelmente a todo o eventual basculamento radical do modo de vida mediterrânico. Compostas por cozinheiros profissionais, artesãos, populações locais, produtores e comerciantes, tecido associativo, etc… essas estruturas trabalham, cada uma no seu domínio, para preservar esta arte de viver.
A protecção do património da dieta mediterrânica é um grande desafio e deverá envolver uma visão estratégica das comunidades. No contexto das ameaças às estruturas portadoras e transmissoras da dieta mediterrânica, o reforço das capacidades de gestão, protecção e valorização do património junto dos seus nichos sociais e culturais, estabelecerá certamente, uma acção a adoptar pelos decisores.
O primeiro desafio de protecção da dieta mediterrânica consiste na consolidação de esforços do conjunto dos intervenientes, a identificação das populações que guardam e defendem este património, a fim de inventariar as produções e práticas, diagnosticar as restrições e potencialidades.
É o que permitirá às instituições possuir visões convergentes para um mesmo objectivo, valorizando acções de preservação e desenvolvimento sustentável da dieta mediterrânica.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de março)