Quando comento, às vezes, que gosto de picar cebola, as pessoas ficam a olhar para mim com aquele ar de: “Eu sabia que não regulas bem, mas isto já passa das marcas…”
Gosto. Gosto mesmo. É mais forte que eu. No entanto conheço os motivos: implica método, disciplina e dá para pensar.
Acontece com frequência precisar de cebola picada, de muita cebola picada. Entra na receita dos pãezinhos recheados que vendo nos medievais. “Podias picar no 1,2,3”, poderão vocês pensar. Pois podia. Mas o sabor não fica igual. As máquinas não conferem aos pedacinhos da cebola aquele corte em cubinhos minúsculos, perfeitos, exatamente iguais e de arestas bem definidas. E isto faz toda a diferença. Faço o recheio dos pãezinhos, que centenas de pessoas comem, como se o estivesse a fazer para os meus filhos. E faço questão de servir a todas as pessoas a qualidade que sirvo aos meus filhos.
No fundo faço o mesmo ao escrever: sirvo a todos algo recheado com mensagens bem picadinhas, saborosas, consistentes, como qualquer progenitor deve apresentar aos filhos os ensinamentos que a vida já lhe foi dando.
Pensava nisto ontem à tarde, enquanto picava cebolas com o esmero que que sempre uso nesta ação. Pensava, talvez com a soberba de imortalidade que caracteriza os escritores, que até as cebolas podemos eternizar, se transformarmos o momento do seu corte numa lição de vida. Fiquei com a vaga impressão de que, se todos fizéssemos o que temos que fazer para o “público” em geral como se o estivéssemos a fazer para os nossos filhos, o mundo seria um local completamente diferente. E muito melhor, de certeza!
Depois desta conclusão, da próxima vez que picar cebolas, mesmo que os olhos ardam e as lágrimas caiam, o meu sorriso será tão grande e cheio de eternidade, que ninguém acreditará que estive a picar cebolas!