A confusão está instalada desde quinta-feira à noite, quando o Governo anunciou linhas vermelhas nas entradas de restaurantes, aos fins de semana, e hotéis a ‘tempo inteiro’ de clientes e veraneantes nos concelhos de maior risco.
O setor ainda não tem dados fiáveis de cancelamento de reservas em unidades hoteleiras ditadas pela obrigatoriedade de apresentação de certificados de vacinação ou de testes negativos à covid-19, mas teme “um descalabro” numa área de atividade castigada nos cofres há um ano e meio. O diagnóstico é de Elidérico Viegas, líder da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), que titula as novas regras de “absurdas”, um “exagero de duvidosa eficácia”, e pede, por isso, a “revogação imediata” das mesmas.
O líder associativo adverte que os testes à entrada de unidades hoteleiras são “impraticáveis” e um “convite do Governo” aos portugueses para passarem as férias lá fora. Eldérico Viegas refere ao Expresso que ainda a ministra Mariana Vieira da Silva anunciava a imposição de certificados ou testes negativos para entrar em restaurantes e hotéis, e os operadores no terreno já estavam “a ser bombardeados” com perguntas às quais não sabiam responder.
“Gerou-se a confusão total”, diz, frisando que a maior parte dos empreendimentos, sobretudo os mais pequenos, “terão dificuldade para implementar no terreno a testagem dos hóspedes antes de fazer o check-in. “O decreto fala que os testes terão de ser supervisionados por alguém responsável. Quem, os diretores?”, pergunta o líder da AHETA, crítico que se transformem agora funcionários ou rececionistas, sem formação adequada, “em autoridades ou polícias da saúde”.
O responsável pela maior associação de hotéis do Algarve refere ainda ter sérias dúvidas sobre a constitucionalidade das medidas que transferem competências das autoridades de saúde para “empregados de mesa”. “O Governo com medidas feitas em cima do joelho não acautelou as férias no próprio país nem o sentimento de insegurança público de quem se prepara para uns dias de pausa, esquecendo que a maioria da população ainda não tem a vacinação completa e os mais jovens nem a primeira dose tomou”, lembra Eldérico Viegas, sem dúvidas que o Algarve, destino preferido de férias no verão, será a região mais castigada do país.
“As unidades hoteleiras estão autorizadas a comercializar testes? Só a palavra do funcionário que assiste ao auto-teste vale ou terá de assinar alguém compromisso? Basta ver o teste negativo ou certificado dos clientes ou é preciso tirar fotocópiia, arriscando violar a legislação da proteção de dados?”, pergunta, alertando que os auto-testes têm de ser atestados por uma farmácia – “que não têm vagas para agendamento de um dia para o outro” ou então feitos presencialmente antes da entrada dos hóspedes. “Combater a pandemia sim, mas não pode valer todo”, avisa.
AL VÃO DEIXAR CLIENTES NA RUA?
Eduardo Miranda, presidente da.ALEP – Associação do Alojamento Local em Portugal, também tem mais dúvidas do que certezas em relação às novas regras, “mais complicadas ainda do que na hotelaria tradicional”, dado que a maioria desta categoria de alojamento não tem check-in presencial. “Os clientes dos AL fazem reservas em plataformas digitais e têm sistemas automáticos de aberturas de portas”, refere Eduardo Miranda, lembrando que os proprietários que não tinham estes sistemas de entrada “fizeram um esforço para os adotar”, após reunião há mais de um ano com a tutela, o Turismo de Portugal e representantes das entidades de saúde.
“O recomendado foi que se evitasse contactos de uma responsável pelo AL com as famílias ou clientes que reservam este tipo de espaços de uso exclusivo”, avança o líder da ALEP, que confessa não saber esclarecer com certeza os proprietários de casas e apartamentos colocados em AL.
“Por exemplo, uma família que chega do estrangeiro com filhos adolescentes não vacinados, mas testados antes de viajarem, fica três dias em Lisboa e segue para as Aldeias do Xisto: como faz para entrar na casa que alugou? A quem apresenta o teste dos filhos feiro 24 h antes? Encontra uma farmácia aberta à chegada da aldeia? E se as que encontra pelo caminho estão fechas ao sábado e domingo? Ficam a dormir na rua?”.
As interrogações de Eduardo Miranda sucedem-se: “Digo que se acabaram as férias? Voltem para casa, regressem ao vosso país?” , atira, concluindo que nas férias nos territórios do interior de baixa densidade populacional, pouca oferta de serviços, mas com muita procura desde o início da pandemia, vão passar a ser um foco de stress. A alternativa, diz, será contratar alguém na aldeia em causa para atender os hóspedes, solução que afirma requer “tempo e planeamento”.
“Ora, tempo de adaptação foi o que o Governo não nos deu. Estamos dispostos a ajudar a combater a epidemia, mas para isso precisamos de ajuda em vez de confusão”, conclui.
Pedro Serro, diretor de Operações The EditoryCollection Hotels, do grupo Sonae, adianta ao Expresso que já foram, desde esta manhã, disponibilizados espaços “condignos” dedicados à realização de testes de antigénio nas sete unidades hoteleiras do Grupo. “Não nos parece digno ter filas de pessoas à porta para fazer testes, esperar 15 minutos pelo resultado, antes de fazerem o check-in”, sustenta o responsável pela direção do Porto Palácio, no Porto.
Nas unidades hoteleiras do Grupo no Porto e Lagos, concelhos na lista de risco, os testes podem ser adquiridos no local para os clientes que não disponham de testes negativos atestados em farmácias ou certificado digital. Aos hóspedes é dispensada depois a apresentação dos comprovativos nos restaurantes internos, assim como aos menores de 12anos, isentos das novas medidas.
Pedro Serra também alega ser cedo para fazer um balanço de eventuais cancelamentos de reservas relacionados com as novas regras, mas é crítico da forma como as mesmas são anunciadas em cima da hora. “Entre o que é anunciado à quinta-feira e a saída dos diplomas há um delay de mais de 30 h, o que suscita um mar de dúvidas de possíveis hóspedes ou de quem já tem reserva a que não podemos responder com certeza”, afirma, alertando que “as medidas até podem ser bem intencionadas, mas foram apressadas e pouco ponderadas”.
À semelhança do que defende a AHRESP, também defende que face ao apertar da malha para aceder a restaurantes e hotéis deixa de fazer sentido que se mantenham restrições como limites de lotação e horários: “É uma dupla penalização para um setor já extremamente afetado”.
Condé Pinto, diretor-executivo da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, adianta ser precoce fazer balanços, análise que deve ser apresentada na próxima segunda-feira.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso