Requalificar o espaço público, preservar a alma e a identidade da cidade, valorizar o património, apostar na diversificação económica e continuar a investir nas pessoas, são as prioridades de Luís Gomes no seu regresso a Vila Real de Santo António.
Vai a eleições mas assevera que não afastou ninguém do seu caminho. E garante: veio para ganhar.
Quando cheguei à câmara não havia esgotos na Aldeia Nova, às portas da cidade
P – Luís Gomes, o seu regresso, 4 anos depois, à Câmara de Vila Real de Santo António, não veio impedir a recandidatura da atual presidente Conceição Cabrita? Uma avaliação negativa da gestão da presidente nos últimos anos, foi a razão que o levou a avançar com a sua candidatura?
R – De modo algum, foi justamente o contrário. A Conceição Cabrita avisou informalmente os órgãos do partido, em princípios de dezembro, da sua vontade em não se recandidatar e formalizou através de um email que enviou à comissão política distrital e à comissão política de secção que não queria avançar para a Câmara Municipal, alegando questões pessoais. O partido iniciou um processo de escolha da candidatura para a Câmara de Vila Real de Santo António e a comissão política juntamente com os militantes do partido escolheram-me para ser o candidato.
P – Mas não acha que numa altura em que o próprio presidente do partido, Rui Rio, se queixa ou pelo menos lamenta a fraca participação das mulheres na vida política, que faria sentido uma recandidatura da atual presidente, ou a gestão dela foi assim tão má?
R – Eu acho que não faz nem deixa de fazer nenhum sentido só por ser uma mulher. As mulheres têm que ter iguais oportunidades às dos homens. Se alguma pessoa que de livre e espontânea vontade entende que de alguma maneira não tem condições pessoais para ser candidata à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, seja homem ou mulher, essa vontade tem de ser respeitada.
Os bens patrimoniais duplicam o compromisso com os bancos
P – Que avaliação faz da gestão dela? Conceição Cabrita diz que conseguiu reduzir a dívida da câmara em 15 milhões?
R – Sou solidário com a gestão deste executivo. A atual presidente da câmara trabalhou 12 anos comigo e naturalmente há matérias que eu faria de forma diferente e outras que a atual presidente também encontraria diferenças da minha forma de as fazer. A verdade é que quando entrei na Câmara Municipal, entrei com 15 milhões de euros e quando saí tinha 147 milhões de euros de património. Algum foi alienado, designadamente a concessão das águas e um terreno em frente ao Vasco da Gama e foi decisivo para a redução do défice, mas reconheço que foi feito um esforço de tesouraria para a redução do mesmo. A questão do défice da Câmara Municipal como património tão vasto para uma dívida de 72 milhões fez com que os bens patrimoniais duplicassem o compromisso que a câmara tinha com os bancos e essa valorização dos patrimónios é decisiva para reduzir o défice do município.
P – Não considera ou contraria a ideia que se tentou criar ao longo destes anos todos de que abandonou a câmara numa situação de bancarrota?
R – Não, de todo. Não pode haver bancarrota quando aquilo que é o nosso património quase duplica o passivo líquido da câmara. Hoje, o endividamento líquido são aproximadamente 72 milhões de euros. A câmara abriu um concurso para a concessão das águas e o valor de concessão das águas em termos nominais foi de 68 milhões de euros. Esse processo terminou em setembro de 2017 e eu não consumei o processo porque estava a um mês das eleições. A presidente em janeiro de 2019 decidiu avançar com esse processo e permitiu a longo prazo arranjar uma solução para metade do défice público.
P – Que outros tipos de investimentos marcaram este défice junto à banca?
R – Nós tínhamos 65 milhões de euros que deviam ser gastos imediatamente. Havia uma sentença do tribunal de justiça europeu de 2016 em que por a câmara ter drenado os esgotos para o Rio Guadiana e para o mar na Manta Rota, tinha que pagar 30 milhões de euros de multa à cabeça, mais 8 mil euros por cada dia que não tratasse dos esgotos. Estes dias foram 10 anos. Estamos a falar de 30 e tal milhões de euros só em multas, para além do investimento de 65 milhões que era necessário fazer.
P – Do ponto de vista do saneamento havia ainda muito trabalho a fazer, tantos anos depois da instalação do poder local?
R – Quando cheguei à câmara não havia esgotos na Corte António Martins, na Serra de Cacela, na Ribeira da Gafa, e nem águas pluviais na Manta Rota. A Aldeia Nova, às portas da cidade, não tinha esgotos; uma parte importante das Hortas também não tinha; metade de Vila Real de Santo António não tinha esgotos nem águas pluviais a correr diferentemente e a restante tinha uma rede de esgotos que nunca funcionou desde os anos 90. Nós resolvemos isso e nos próximos 40 anos Vila Real de Santo António não precisa de mais investimentos estruturantes ao nível de infraestruturas de saneamento. Fizemos uma requalificação, acho eu, que ganhou dois prémios nacionais, na Praia da Manta Rota e colocamo-la como destino turístico de referência. Em Monte Gordo fizemos os passadiços e na Praia de Vila Real de Santo António abrimos um acesso pedonal e ciclável.
(Protocolo com Cuba) é um exemplo como uma autarquia pode ter um papel decisivo na vida das pessoas
P – Diz que o seu regresso visa pôr novamente a cidade a funcionar. Quer dizer que não tem funcionado?
R – Naturalmente eu entendo que faz falta uma dinâmica agora neste período pós-covid para a cidade voltar a crescer e ganhar. O compromisso do investimento que foi feito em Vila Real Santo de António não se paga com gestão de troika. Paga-se com desenvolvimento e com crescimento e por colocarmos os ativos da Câmara Municipal ao serviço do desenvolvimento do concelho. O grande objetivo para os próximos anos é arranjar um compromisso da sustentabilidade geracional. Encontrar condições para que os jovens de Vila Real de Santo António que não queiram estudar na universidade possam encontrar um emprego qualificado na cidade ou no concelho ou para quando os jovens se vão licenciar, como eu fui, possam regressar e encontrar condições de trabalho em Vila Real de Santo António. Temos de ter a noção clara de que a hotelaria é fundamental para Vila Real de Santo António, mas é preciso diversificar, tal como o Algarve, a sua base económica. Hoje, temos a Frusoal que é a maior produtora e comercializadora de cítricos do país e a Nautiber que é dos estaleiros mais importantes no país com um saber fazer fantástico ao nível da indústria naval. A parte da inovação relacionada com os cítricos e produtos agrícolas e a componente da indústria naval são autênticos desafios para garantirmos sustentabilidade ao nível do emprego e uma sustentabilidade geracional que irá permitir aos jovens do concelho poderem encontrar uma âncora de garantia para aqui criar as suas vidas.
P – Falou-me em dois projetos. Não referiu as conservas porquê? Estão condenadas?
R – Hoje já não existe a conserva. Quando falo do cluster do mar, as conservas estão integradas, mas já num contexto muito mais modernizado. Aquele conceito das fábricas enormes conserveiras já é muito difícil de arrancar. Pequenas empresas ligadas à transformação dos produtos do mar, seja por produtos gourmets ou pelos patés, faz todo sentido.
Deixei um património de 147 milhões de euros
P – Relativamente à memória da tradição operária ligada às conservas, não há um projeto de criação de um museu, por exemplo, para perpetuar a memória de uma atividade que marcou a vida do concelho e da sua população?
R – Estamos em momentos diferentes. Tivemos os primeiros 12 anos a criar as condições, o hardware, para instalarmos um software. Criamos as condições infraestruturais para agora nos próximos anos investirmos no concelho, tirando partido e explorando essas infraestruturas em que investimos mais de 200 milhões de euros. Agora é o momento de investir em outras frentes.
Um dos eixos passa pelas questões da requalificação do espaço público. Hoje vale a pena entrar dentro de Vila Real de Santo António, mas falo de ter sustentabilidade para garantir a manutenção das obras que fizemos.
Outro eixo é sobre a alma. Tratar da alma do concelho. A alma tem muito a ver com a nossa memória histórica, com a nossa identidade, com o nosso ADN e com todo o nosso património. Quando aprovámos o plano de pormenor do cemitério de Vila Real de Santo António previmos a manutenção do único vestígio ainda presente da arquitetura industrial do século 19 e 20 de Vila Real de Santo António e a expropriação da fábrica e compra de outra ao lado. Infelizmente, deixou-se acabar com as fábricas. Nenhuma chaminé se manteve e eu acho que esse património é absolutamente compatível com novos processos de urbanização.
Foi uma pena de facto toda a zona sul de Vila Real de Santo António ter destruído todos estes vestígios que conseguiam ser completamente integradas com novos espaços de vida das pessoas.
O património islâmico de Vila Nova de Cacela é uma referência da história do nosso país. Recriar e recuperar os fornos de cal de Santa Rita é bastante importante. Valorizar o património natural, os caminhos para andar junto à Ria Formosa, à Mata Nacional das Dunas de Vila Real de Santo António e Monte Gordo, a Reserva do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Nesse sentido, começámos um grande projeto que originou a construção de 30 quilómetros de ciclovia e agora é altura também de a expandir através do nosso património cultural.
P – Vila Real de Sto António andou nas bocas do mundo quando o senhor estebeleceu um protocolo com o governo cubano para tratar de pessoas do seu concelho com problemas oculares…
R – É um exemplo em como uma autarquia pode ter um papel decisivo na qualidade de vida das pessoas. Quando se abordou o tema das cataratas, levámos 300 pessoas a Cuba e demonstrámos que não sendo das suas competências, a Câmara Municipal teve um papel decisivo para mostrar ao governo aquilo que é a identificação de um problema que neste caso era a oftalmologia no distrito de Faro. Enquanto estivemos na câmara nunca ninguém deixou de tratar-se porque não tinha dinheiro e isso era um princípio para mim.
Orgulho-me por ter feito parte de uma equipa que meteu as pessoas que estavam cegas a ver. Foi um dos melhores momentos da minha vida de autarca
P – E agora no pós-pandemia ainda mais cuidado se ganha com isto…
R – Essa questão é uma matéria cada vez mais presente e sabemos que há pessoas também com outro tipo de problemas não só económicos, mas também com problemas psicológicos decorrentes da pandemia e vai haver consequências graves. Orgulho-me por ter feito parte de uma equipa que meteu pessoas que estavam cegas a ver, pessoas que tinham critérios para nunca sair de uma cama começarem a andar e isso foi dos melhores momentos da minha vida enquanto autarca.
P – Qual é o seu grande desígnio caso ganhe as eleições?
R – Em primeiro lugar a questão da rua, tratar do espaço público e dos lixos; a alma do concelho, de termos orgulho na nossa Terra; a diversificação da economia e a questão de continuar a aposta nas pessoas.
P – Em termos eleitorais quais são as suas perspetivas?
R – Se vou para a luta, quero ganhar. Nós não estamos obcecados com qualquer resultado em particular. Queremos aproveitar o momento para falar com as pessoas para explicar o que pretendemos e esclarecer a contra informação que houve em relação a mim nos últimos quatro anos. Qualquer pessoa que tenha dignidade, e eu gosto de ter a cabeça levantada com honra, tem o dever moral de o fazer também.
Guadiana: navegar no sonho das realizações possíveis
P– O rio é agora mais fronteira do que foi no passado ou não?
R – Ao longo das últimas décadas tem havido muita utopia sobre o Guadiana, muita vontade de fazer coisas, muitos livros, muitos atos de contrição sobre o desenvolvimento do rio. Criar um cluster / aglomerado de turismo ligado à natureza e ao rio é uma opção. Se for para fazer coisas contam sempre comigo, se for para gastar dinheiro e não fazer coisas, hoje as pessoas já não querem isso.