A pandemia trouxe problemas novos mas também expôs problemas velhos e não pode ser desculpa para tudo: despedimentos, salários em atraso, por exemplo. Para o responsável do PCP no Algarve, o turismo é um sector fundamental para a região, mas é urgente pensar em alternativas de produção complementares.
Vasco Cardoso vai mais longe: por vontade de alguns o Algarve ficaria só com marinas de recreio. Quanto às expectativas da CDU nas próximas eleições autárquicas, aposta no reforço de posições e no aumento do número de votos e de mandatos. Quer manter Silves e aposta forte em Vila Real de Santo António.
P – Quais são as perspectivas da CDU para as eleições autárquicas no Algarve?
R – A CDU parte para estas eleições com o objectivo de concorrer aos 16 concelhos e 73 freguesias do Algarve, visando quer o aumento do número de votos, quer de mandatos.
Queremos consolidar as maiorias existentes, como na Câmara de Silves e nas Juntas de Freguesia de Silves, São Bartolomeu de Messines e Santa Bárbara de Nexe, disputar maiorias noutros concelhos como é o caso de Vila Real de Santo António e recuperar posições na vereação de importantes câmaras municipais como é o caso de Faro, Olhão, Portimão ou Lagos.
P – A CDU conta neste momento com a Câmara de Silves. É para manter?
R – O trabalho realizado pela CDU em Silves é notável e distingue-se entre os 16 concelhos do Algarve. A gestão CDU permitiu sanear as contas do município que o PSD tinha comprometido. Avançar com um importante conjunto de investimentos e obras que estão a mudar a face do concelho, incluindo com a solução de problemas crónicos como as cheias em Armação de Pêra ou Messines. Valorizar o património cultural e a actividade económica de que a promoção da laranja é um exemplo. Valorizar os trabalhadores da autarquia com Silves a ser a primeira câmara a efectivar as 35 horas de trabalho, ou agora a aplicar o suplemento de insalubridade e penosidade. Valorizar o trabalho com todas as freguesias sem discriminações. Promovendo a participação das populações. Criando novos elementos de valorização do território como o PDM de 2ª geração (também aqui a primeira câmara do Algarve), o Geopark ou a zona protegida da baía de Armação de Pêra. Por tudo isto são legítimas as expectativas de ver reconhecido o nosso trabalho.
[Autárquicas em VRSA] A CDU tem condições para se afirmar como alternativa. Não tenho dúvidas de que iremos disputar até ao fim estas eleições
P – E relativamente à Câmara de VRSA que já foi por duas vezes de maioria CDU, perante o caso que levou à resignação da presidente Conceição Cabrita, quais são as vossas expectativas?
R – A situação em VRSA é preocupante. A gestão PS primeiro e a gestão do PSD de Luís Gomes/Conceição Cabrita fizeram este concelho bater no fundo. Uma dívida monstruosa, serviços públicos privatizados, taxas e tarifas municipais no máximo e uma câmara sem meios e sem projecto. A CDU tem tido uma atitude combativa e construtiva com soluções para o concelho. E tem condições para se afirmar como alternativa. Não tenho dúvidas de que iremos disputar até ao fim estas eleições.
P – A CDU que sempre teve uma presença forte nas autarquias do país, tem vindo a perder algum desse poder na última década. No Algarve, esse declínio em concelhos de forte tradição operária como Silves e VRSA, como explica essa perda de influência, estrutural ou é apenas circunstancial?
R – Falando da última década, designadamente em relação a esses dois concelhos o cenário é precisamente o contrário. Em 2009 tínhamos um único vereador no concelho de Silves e nenhum em VRSA e partimos para estas eleições – em 2021 – com a presidência da CM de Silves (4 vereadores) e com um vereador em VRSA (tendo ficado a 200 ou 300 votos de eleger o 2º em 2017). São dois concelhos onde temos crescido.
Recusamos a ideia de dar dinheiro ao turismo em abstracto. Sobretudo desviar recursos públicos para os grandes grupos económicos que ganharam milhões de euros nos últimos anos e que agora querem dinheiro do Estado
P – O país e o Algarve, em particular, atravessam uma crise profunda devido à pandemia com reflexos na economia, em especial no turismo e no desemprego. Como analisa a resposta do Governo a esta situação?
R – O Governo continua a pensar no défice e na submissão ao Euro em vez de responder aos problemas do País.
O Orçamento do Estado para 2021 tem a base para responder a muitos dos problemas que o Governo não está a utilizar. Se é verdade que, por iniciativa do PCP no OE foi possível assegurar o pagamento dos salários a 100% em situações de layoff, garantir o prolongamento do subsídio de desemprego por mais 6 meses, aumentar as reformas pelo 4º ano consecutivo, contratar profissionais para o SNS e outras medidas, o facto é que, em matérias como a resposta às MPME, aos sectores da cultura, ou mesmo em relação ao investimento no SNS, o Governo continua a marcar passo.
No imediato, são precisas medidas urgentes que permitam ultrapassar a epidemia – testagem, rastreio e vacinação em massa – a par da garantia de apoios sociais a quem deles necessita e de apoios às MPME que estão a passar por grandes dificuldades.
Recusamos a ideia de dar dinheiro ao turismo em abstracto. Sobretudo desviar recursos públicos para os grandes grupos económicos que ganharam milhões de euros nos últimos anos e que agora querem dinheiro do Estado. O exemplo do Grupo JJW (hotelaria) que é propriedade de um dos homens mais ricos do planeta e que tem centenas de trabalhadores com salários em atraso desde Janeiro fala por si. Coisa diferente são as pequenas empresas de restauração, alojamento, transportes, bares, discotecas e outras, que precisam de apoios para retomar a actividade.
A situação social é também ela muito grave. E não é apenas por causa da epidemia, é também pelo aproveitamento que tem sido feito. A epidemia passou a ser desculpa para tudo. E vivem- se situações de salários em atraso, de alterações forçadas de horários de trabalho, de despedimentos selvagens que foram praticados nestes meses. O Governo não tem nenhuma desculpa para não intervir nestas situações, incluindo com os apoios sociais que são necessários.
A epidemia passou a ser desculpa para tudo. E vivem-se situações de salários em atraso, de alterações forçadas de horários de trabalho, de despedimentos selvagens que foram praticados nestes meses
P – Faz sentido que 9 meses depois, o Algarve continue sem um plano de emergência?
R – Mais do que um plano de emergência, e recordo que o País tem muitos planos sem que isso se traduza em avanços, a região precisa que o Governo utilize todas as possibilidades que o Orçamento do Estado comporta para responder aos problemas. Infelizmente não é isso que está a acontecer!
P – Como vai ser o Algarve no pós pandemia?
R – Se se mantiver a mesma política de favorecimento dos grupos económicos privados, de falta de investimento público, de desrespeito pelos direitos dos trabalhadores, de desvalorização dos serviços públicos e privatizações, temo que os problemas gravíssimos que hoje enfrentamos se possam ainda agravar mais.
P – No que respeita aos investimentos do Estado, acha que a região tem recebido os apoios correspondentes ao peso que representa do ponto de vista da sua economia?
R – A epidemia trouxe problemas novos mas expôs também problemas estruturais com que o Algarve se confronta. Desde logo a sua dependência quase exclusiva do turismo e o modelo de baixos salários, trabalho precário e desemprego que lhe está associado. O Algarve precisa urgentemente de diversificar a sua actividade económica e não é nessa direcção que vai o Governo PS.
O saldo dos últimos anos, sobretudo desde que PSD, PSD e CDS amarraram o País ao Euro, é a de um investimento público medíocre e mal orientado nas últimas duas décadas.
Há investimentos públicos que estão por concretizar há largos anos. Veja-se a electrificação da linha do Algarve, a conclusão das obras na EN 125, a construção do novo Hospital Central, a requalificação dos portos e das barras do Algarve, a intervenção na floresta, o alargamento da oferta de transportes públicos, o fim das portagens, o pa-pel da TAP e do Aeroporto de Faro ao serviço da região, a regionalização, etc – tudo isso está afastado das pro-postas e da acção do Governo PS, mas também do PSD.
[Diversificação económica] O Algarve tem um potencial imenso no plano turístico (…) mas não há nem país nem região desenvolvida sem produção
P – Parece ser consensual a ideia de que o Algarve vive numa excessiva dependência da actividade turística, impondo-se uma diversificação da sua base produtiva. Que resposta tem o PCP como propostas para construir uma alternativa económica sem colocar em causa o turismo?
R – O Algarve tem um potencial imenso no plano turístico que deve ser apro-veitado e desenvolvido em harmonia com outros sectores da actividade económica. Mas não há nem país nem região desenvolvida sem produção – é isso que defendemos há muitos anos. Entre outros exemplos, falamos do abasteci-mento alimentar da região e da necessidade de se investir nas pes-cas e na agricultura. É preciso travar a des-truição da nossa frota pesqueira. Por vontade de alguns o Algarve ficava só com marinas de recreio, ora a região precisa de investir a sério na modernização dos seus portos de pes-ca e comerciais. No plano agrícola a região precisa de esti-mular a produção não para o mercado mas para o abasteci-mento das necessidades alimentares dos algarvios.
Investimentos que facilitem o acesso à água, aos circuitos de abastecimen-to, transporte e armazenamento de produtos, a criação de um matadouro regional, o apoio à agricultura fami-liar, o apoio à actividade florestal, entre outros, são fundamentais. Por outro lado a região não pode prescindir da indústria. Há grande po-tencial na construção e reparação naval com exemplos interessantes que po-dem ser ampliados. Na manutenção ferroviária (se quere-mos que este modo de transporte se afirme) há possibilidades de investir em VRSA ou Tunes. No aproveita-mento e transformação de recursos geológicos aumentando os níveis de exigência ambiental. Na captação de novas indústrias, incluindo de elevada incorporação tecnológica (é também para isso que a região tem uma universidade), com uma política que aponte à substituição de importa-ções por produção nacional. P
P – Há quem defenda a classificação do Algarve como uma região em situação de calamidade. Subscreve?
R – Essas classificações só fazem sen-tido se atrás delas existirem os meios e os recursos que ajudem a ultra-passar os problemas. É nisso que o PCP está concentrado.
Falta concretizar a regionalização
P – Em termos estratégicos o que tem faltado para resolver os problemas estruturais do Algarve?
R – Os problemas do Algarve, sendo específicos, não são no entanto muito diferentes dos do resto do País. Poderíamos dizer que falta concretizar a regionalização que só não é uma realidade porque PS, PSD e CDS a têm bloqueado. Mas queremos sublinhar que o País e a região o que precisam de facto é de uma outra política, diferente da que o Governo PS executa, mas que se afasta também dos projectos de retrocesso social que PSD, CDS e os seus sucedâneos representam.
Uma política que não confunde os lucros das grandes empresas com os interesses do país, que valorize o trabalho e os trabalhadores, promova os serviços públicos e os desenvolva, defenda a produção nacional, recupere o controlo público de sectores estratégicos – correios, telecomunicações, energia, banca -, afirme a nossa soberania e o direito do povo português a decidir do seu futuro.