“Terraço aberto aos ventos e aos astros”, daqui vê-se o mar e a sua transparência. E escutam-se as vozes que nos chegam do levante. Dos confins do longe e dos confins dos tempos. Ecos de um abraço dos que um dia aqui chegaram e aqui ficaram. Outros se foram.
O Algarve tem sido ao longo dos séculos uma placa giratória de gentes vindas de toda a parte. Uma porta aberta ao mundo: Ligures, turdetanos, fenícios, gregos, cartagineses e visigodos.
E antes do Algarb do al Andaluz , já por cá tinham andado os romanos e os cónios do cineticum. Assim eram chamados o Algarve e os algarvios desses tempos. E também Viriato e os lusitanos, contra Roma. E ainda Hanibal, de Cartago.
Em época de domínio romano houve mesmo uma diocese em Ossónoba, tendo D. Vicente como um dos seus primeiros bispos. E nos tempos mais recuados dos cónios ou cinetes, o Algarve possuía um alfabeto próprio que hoje ainda se pode encontrar na chamada escrita do sudoeste. Gravada na pedra.
Uma babel de gentes e de línguas.
E sempre o mar como estrada de comunicação. Mareantes, mercadores, aventureiros, viajantes, soldados e piratas. Que não se podem dissociar da pesca e do comércio, do negócio e das trocas de produtos que se estabeleceram num vai e vem permanente entre os algarves do lado de cá e os do outro lado do canal. Com a Andaluzia no meio.
Por aqui se produziam e exportavam frutos verdes – citrinos e maçãs – e frutos secos – figos, amêndoas e alfarroba – e o vinho e mais o azeite e o sal, recebendo em troca, cereais andaluzes e marroquinos. Um intenso comércio de exportação que é salientado por diversos geógrafos árabes, sendo a sua fama e riqueza forte atractivo para os de fora. E o mar – ainda o mar – como via para assaltos e pilhagens às suas cidades mais prósperas: Balsa, Baesuris, Ossónoba, Lacobriga, Portus Hannibalis, Cilpis e Baltum.
Já no tempo de D. Afonso Henriques, não havendo ainda uma ideia a quem haveria de caber este rectângulo, “há notícias de esquadras portuguesas que aqui vinham combater a navegação muçulmana, chegando a atacar a praça africana de Ceuta em 1180”. E, logo de seguida, o seu filho, D. Sancho I, subindo o Arade, utilizou navios para transporte dos exércitos que em 1189 conquistaram Silves, pela primeira vez.
Antes da reconquista, o Algarve já era – como se vê – terra cobiçada e disputada pela sua riqueza. Fazia parte de um bloco regional integrando a Andaluzia e o Magreb. Aquilo a que os historiadores chamam o golfo dos algarves ou o mar das éguas.
Este triângulo constituia uma região individualizada quer pela sua proximidade geográfica, quer pelas características físicas e climáticas ou ainda pelos interesses comuns nas actividades produtivas. E também pela barreira física do Caldeirão que dificultava a ligação terrestre com o território a norte. Os algarvios de então, puxavam mais para o lado de cá do que para o lado de lá.
Por tudo isso, “a reconquista, trazendo algumas rupturas políticas e institucionais, não veio alterar significativamente a vida da região”. Os dias correram iguais. Como ao longo das décadas seguintes. Não se registaram grandes movimentos de população nem grandes modificações nas estruturas comerciais, económicas e sociais.
Pode mesmo dizer-se que “a integração do Algarve no reino de Portugal foi quase imperceptível”. Tudo como dantes!
De tal maneira que são raríssimas as visitas que os monarcas portugueses efectuaram ao sul do país: D. Afonso III esteve cá uma vez, D. Dinis, duas vezes, D. Afonso IV e D. Pedro I, uma vez também, e D. Fernando nunca cá pôs os pés.
Isto quer dizer que, apesar da sua integração na monarquia portuguesa, o reino do Algarve manteve por muitos anos uma vida própria e autónoma. Só a partir de D. João I e da conquista de Ceuta, em 1415 – que marca o início da expansão portuguesa – se passou a olhar o Algarve com outros olhos. Fortificaram-se e municiaram-se as principais cidades, organizadas numa rede de praças avançadas de defesa de todo o reino contra a ameaça dos turcos, dos mouros e de castela. E dos que mais houvesse.
E há a singularidade histórica de o Algarve ter conhecido uma dualidade de poderes, repartidos pelo rei de Portugal e Afonso X, de Castela. Por largos anos, este recusou reconhecer território português o novo reino, de tal modo que o Algarve chegou a ter dois bispos: o português D. Nicolau, e D. Roberto, bispo de Silves, nomeado por Castela.
Ou seja, Afonso X – que chegou ainda a nomear D. Garcia, bispo de Silves – estendia a sua jurisdição ao Algarve por via eclesiástica. A disputa da soberania sobre este território só terminaria no acordo de Badajoz em 16 de Fevereiro de 1267. Ainda assim, tardaria quase dois séculos até que o poder real em Lisboa passasse verdadeiramente a preocupar-se com este reino no extremo sul do país.
Era neste quadro de isolamento perante o resto do território português, acentuado pelos obstáculos da serra e da charneca alentejana, que se encontrava o Algarve quando por aqui passou a armada de D. João I a caminho de Ceuta. Pela primeira vez os infantes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique avistaram Sagres e as praias algarvias.
A armada que partira de Lisboa, desembarcou em Lagos, tendo depois permanecido em Faro durante uma semana. De seguida, enchendo as velas de vento, zarpou em direcção ao estreito de Gibraltar e dali preparou o assalto final a Ceuta: Seria “a primeira lança em África”!
Fontes: “Voz Inicial”, Antº Ramos Rosa; “Lagos e os Descobrimentos”, Rui Loureiro; “O Reino do Algarve de Pleno Direito”, J. António Martins; “O Algarve, da Antiguidade aos nossos dias”, Maria da Graça Marques; outras