Maria José Machado é juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa. Mas é também casada com o deputado socialista Fernando Anastácio – o responsável do PS, no Parlamento, pelas negociações do novo (e aumentado) tecto salarial para os juízes. Conflito de interesses? O deputado garante que não: “Sou membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e sempre acompanhei assuntos ligados à Justiça”, avança o jornal EXPRESSO.
Questionado pelo Expresso sobre o facto de ter estado a negociar um aumento do tecto salarial para uma classe de que a sua cônjuge faz parte, o deputado foi perentório em dizer que não viu qualquer necessidade em pedir escusa: “Isso não me oferece nenhum comentário especial”. Até porque o seu casamento com a juíza está declarado no registo de interesses que entregou no Parlamento – e os deputados só precisam de pedir escusa ou de declarar que não participam numa discussão se sentirem que têm algum impedimento nessa situação, algo que diz nunca ter sentido: “Não tenho nenhum impedimento. Tenho recebido procuradores, advogados – aliás, sou advogado -, e isso não me impede de tratar assuntos conexos, de Justiça. Seria o mesmo que um médico não poder tratar de assuntos relacionados com médicos”.
No Parlamento, ficou aprovada com os votos do PS, PCP e CDS uma polémica proposta do PS para aumentar o limite máximo dos salários dos juízes, fazendo com que este possa ultrapassar o salário do primeiro-ministro (€4892 brutos mensais). Uma exceção injusta, considerou o Bloco de Esquerda: “Esta excepção não é boa para a democracia, é um sinal errado que se dá à sociedade portuguesa”. No PSD, Rui Rio tem sido um crítico acérrimo da proposta, tendo defendido que esta representa uma “falta de sentido de Estado”. Esta quinta-feira, foi mais longe: “O Governo é fraco com os fortes e forte com os fracos e eu, em toda a minha carreira, tenho gosto em ser forte com os fortes”.
Graças a uma proposta do CDS, haverá um novo limite máximo: 90% do ordenado auferido pelo Presidente da República, de €6523.
A proposta socialista foi defendida no Parlamento por Anastácio, que, citado pelo “Público”, lembrou que a decisão “não trata de progressões, mas de acabar com um corte que existia”, sublinhando que no caso dos juízes a exceção se justifica por dizer respeito a um órgão de soberania. “Além do reforço da independência judicial, houve também a oportunidade de repor e de resolver uma situação já com 30 anos, quando foi aprovada uma norma que, em concreto, impedia que os juízes recebessem de acordo com a sua tabela salarial. A solução encontrada, com os votos do PS, CDS e PCP, foi precisamente no sentido de que recebessem pela tabela que está em vigor a partir de Janeiro de 2020”, explicou.
Segundo o seu registo de interesses, Fernando Anastácio é advogado, casado em comunhão de bens com Maria José Machado, além de administrador e presidente do conselho de administração de várias empresas e sócio maioritário de uma sociedade de advogados em seu nome. A sua mulher é juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, estando desde 9 de janeiro de 2019 a gozar de uma licença especial para exercer funções em Macau como assessora na Assembleia Legislativa de Macau, como consta de uma deliberação do Conselho Superior de Magistratura publicada em Diário da República a 8 de janeiro deste ano.
POLÉMICAS FAMILIARES
Maria José Machado foi a relatora do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues do crime de prevaricação de titular de cargo político, pelo qual tinha sido condenada em primeira instância a três anos e seis meses de pena suspensa. Depois, foi notícia no Observador por ter estado presente na campanha autárquica do PS em 2013. Nessa altura, justificou a participação pelo seu casamento com Fernando Anastácio, candidato derrotado do PS à câmara de Albufeira: “Não fiz campanha eleitoral, apenas estive presente em três situações como mulher do candidato, porque achei que esse era o meu dever”.
Já o filho do deputado socialista esteve envolvido na polémica do ‘familygate’, uma vez que, como o “Correio da Manhã” noticiou, foi nomeado a 11 de março deste ano por Duarte Cordeiro, secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, para seu adjunto. O governante justificou ao jornal ter considerado as “qualificações e a confiança pessoal” em Pedro Anastácio, que tem 25 anos e é membro do secretariado nacional da Juventude Socialista. “Nenhuma relação familiar pesou na minha escolha”, garantiu então Duarte Cordeiro.