A Fundação Francisco Manuel dos Santos desenvolve meritórias iniciativas para procurar dar a conhecer em equação o que é hoje ser português, que problemas trazemos connosco, quais as nossas marcações de identidade, como nos vemos na esfera do tempo; ah, como nos comportamos em cidadania e encaramos a democracia participativa. É nesta última temática que está em cima da mesa um osso duro de roer, dele se especula muito, há muitos porquês sobre a abstenção, nem a parte nem o todo apresentam resultados satisfatórios. Por isso a indagação é persistente, nem vale a pena falar dos riscos que representa o alheamento democrático. É assunto seríssimo, a Fundação acaba de tomar algumas iniciativas. Primeiro, um estudo. Vejamos o que ele diz.
Consta no site da Fundação Francisco Manuel dos Santos o seguinte:
“Quem se abstêm em Portugal e porquê? O novo estudo da Fundação é a mais extensa análise já feita (até à data) sobre as causas e as consequências da abstenção eleitoral em Portugal, cobrindo todo o período democrático e os vários tipos de eleições. Os autores recomendam estimular o dever cívico nas escolas, logo a partir o 1º ciclo, e expandir o voto em mobilidade para aumentar a participação eleitoral, mas deixam de fora o voto obrigatório e o voto online.
Portugal registou um declínio significativo na participação eleitoral ao longo das últimas décadas. Mas qual é a dimensão da abstenção? O que leva tantos eleitores a decidir não votar e quais são as consequências de não escolherem os seus representantes? Há diferenças entre as posições políticas de quem vota e de quem se abstém? E que estratégias podemos implementar para estimular a participação eleitoral?
O estudo, da autoria de José Santana Pereira e João Cancela, responde a estas questões com base num inquérito a 2405 eleitores, 6 focus groups com abstencionistas/votantes intermitentes e três encontros com representantes políticos a nível local, nacional e europeu, oferecendo a mais extensa análise até à data sobre o fenómeno no nosso país.
Esta investigação revela que em eleições legislativas, presidenciais e europeias, a participação eleitoral é mais elevada nas zonas urbanas, enquanto nas autárquicas os eleitores das zonas rurais e híbridas tendem a votar mais.
Sabe-se também que a abstenção não é um comportamento aleatório nem uniforme. Os autores destacam que características sociodemográficas, como a idade, o nível de escolaridade e de rendimentos, fatores atitudinais, como o sentimento de dever cívico ou o interesse pela política, e barreiras práticas, como a distância do local de voto, influenciam a decisão de não votar.” O leitor pode ter acesso ao estudo completo em: file:///C:/Users/M%C3%A1rio%20Beja%20Santos/Downloads/Estudo%20completo%20(PDF).pdf
Em simultâneo com a publicação do estudo era editado o livro O tanto que grita este silêncio, Porque se abstêm os portugueses?, por Nelson Nunes, Fundação Francisco Manuel dos Santos, setembro 2025.

Vota-se para quê? O autor recorda que o país está dividido em dois: nos meios urbanos, é mais fácil de chegar às urnas, mas, para os milhares de pessoas que vivem em meios rurais, o caso muda de figura. É muito provável haver milhares de abstencionistas involuntários nestes contextos. Não há explicação para esses porquês da inércia e do alheamento, mas não sobra dúvida que a política não está a comunicar a ponto de mexer com todos, e não vale a pena passar desculpas para os casos de corrupção, criminalidade, falta de satisfação de necessidades básicas como a saúde, recrudescimento de violências, matérias-primas que os órgãos de comunicação social que primam pelo sensacionalismo exploram até à exaustão.
Sabe-se que há abstenção como forma de protesto, se querem explorar o lítio na nossa terra, nós não votamos. Há quem diga que os partidos são todos iguais, nenhum deles dá resposta à falta de empregos, às remunerações justas dos primeiros empregos, e por aí fora. Nelson Nunes foi ouvir pessoas, grande surpresa foi perceber que há abstencionistas politicamente esclarecidos, há quem se apresente como abstencionista temporário, há quem foi muito tempo imigrante e que se sinta injustiçado por pagar impostos em Portugal, há mesmo quem diga nunca ter sido estimulado para as diversas formas de participação cívica, há quem não esconda um certo desconforto por saber que ao não votar há quem esteja a fazer escolhas por si, há também aquele inquirido que saltita de trabalho em trabalho e de país em país e que não vota alegando que os problemas se resolvem com decisões que nem foram anunciadas nos programas eleitorais.
Há quem se sirva da abstenção como um grito de revolta. E há respostas que nos apanham de surpresa, como esta: “Considero que a política é muito mal paga. Um bom gestor, um bom líder, não vai para a política. Vai para uma boa empresa, que lhe pague muito bem. Por isso, só vai para a política quem não é muito bom.” É como se dissesse que não se vota neles porque são genericamente medíocres. Quando, subitamente, em março de 2024, a abstenção foi das mais baixas de sempre, houve quem desse a seguinte interpretação: “É a revolta a falar. As pessoas estão cansadas, fartas do mesmo. Eu decidi não ir, mas com a generalidade das pessoas aconteceu o contrário. Foram votar porque querem respostas.”
Os inquéritos de Nelson Nunes não nos dão milagres explicativos: descobre-se que há quem foi durante muito tempo abstencionista e que agora participa, há quem durante muito tempo foi atraído por ideias de esquerda, está cansado de promessas, procura agora valores diferentes no populismo, mas também há quem se manifeste cansado numa direita e centro-direita que só tem uma certa política social para não perder o barco. O autor também bateu à porta de especialistas em ciência política, as respostas também são complexas no meio académico. Dirá mesmo, em jeito de conclusão, que o modo como as pessoas votam está diretamente relacionado com o estado das suas vidas. E os abstencionistas são mais do que a representação tosca que vemos deles na comunicação social. Acresce que a abstenção também é uma forma de representação mediática, por outras palavras, diz ele, o que falta é pôr os abstencionistas na comunicação social: libertá-los de um certo sentimento de vergonha, ou vê-los e perceber que caminho construtivo se pode desenvolver a partir daí. Estes abstencionistas silenciosos têm todo o direito a ser ouvidos.















