Durante mais de meio século viveu na mesma casa. A tranquilidade terminou quando o novo proprietário decidiu avançar com obras profundas, sem garantir qualquer alternativa de realojamento nem proteger devidamente os seus bens. Sem recursos e sem outra solução habitacional, uma reformada com pensão mensal de 333,39 euros acabou obrigada a abandonar o imóvel onde residia desde a juventude.
No acórdão de 18 de setembro de 2025 (Proc. n.º 533/23.0T8LAG.E1), o Tribunal da Relação de Évora confirmou a responsabilidade do senhorio, mas reduziu o valor da indemnização fixada na primeira instância para 17.000 euros: 7.000 euros por danos patrimoniais e 10.000 euros por danos não patrimoniais.
O caso remonta a 2021 e correu termos no Juízo Central Cível de Portimão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro. Segundo o acórdão, os pais da arrendatária habitaram o imóvel desde 1962, tendo a autora vivido sempre com eles até ao falecimento de ambos. Em março de 2021, o réu, identificado no processo como AA, comprou a fração onde a mulher vivia e, a partir de 1 de abril de 2021, celebrou com ela um contrato de arrendamento escrito, com uma renda mensal de 300 euros.
Obras sem aviso eficaz e sem alternativa de realojamento
Pouco tempo depois, em outubro de 2022, o senhorio deu início às obras de remodelação. Ligou à inquilina no próprio dia para que abrisse a porta aos pedreiros e estes entraram no imóvel sem que a autora tivesse tido tempo para retirar os seus bens ou sem que tivesse sido providenciado um local seguro para os guardar. Para executar os trabalhos, o mobiliário foi retirado dos seus lugares, arrastado e parte dele foi deixado no quintal, apenas coberto com plástico.
De outubro a dezembro, a mulher refugiou‑se num único quarto, onde concentrou parte dos seus haveres, sem poder usar as restantes divisões da casa: não tinha acesso à cozinha para cozinhar, nem à sala, e vivia apenas com a casa de banho funcional. Não dispunha de televisão e sentia‑se sem privacidade.
Em janeiro de 2023, o senhorio disse‑lhe que tinha de desocupar o quarto e a casa de banho, retirar todos os seus bens e sair da casa para que as obras pudessem prosseguir. Sem conseguir encontrar nova casa ou quarto a preços compatíveis com o seu rendimento, a pensão de velhice de 333,39 euros mensais, a arrendatária sentiu‑se coagida a abandonar o imóvel e acabou a viver num quarto em casa de uma conhecida, pagando nova renda. Sem espaço para guardar o recheio, teve de oferecer ou deitar fora grande parte dos móveis e objetos acumulados ao longo de décadas.
Valor da indemnização
Na sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Portimão, o senhorio foi condenado a pagar 24.900 euros à arrendatária, 10.000 euros por danos patrimoniais (perda e deterioração de bens) e 14.900 euros por danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais até integral pagamento.
Em recurso, a Relação de Évora manteve a responsabilidade do proprietário, mas considerou exagerado o montante fixado. Convocando o artigo 494.º do Código Civil, que permite reduzir equitativamente a indemnização quando a responsabilidade se funda em mera culpa, e atendendo à idade avançada e à precária condição económica da autora, o tribunal fixou o valor final em 17.000 euros: 7.000 euros por danos patrimoniais e 10.000 euros por danos não patrimoniais, mantendo a obrigação de pagamento de juros à taxa legal até liquidação total.
Com base nos factos provados, os juízes sublinham que a situação provocou na autora problemas de ansiedade, perda de autoestima e insegurança, bem como desgosto pela perda de muitos dos bens de família que guardava desde os pais. Esses elementos foram determinantes para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais.
Argumentos do recurso e posição da Relação
O proprietário recorreu da sentença, alegando erro na apreciação da prova, inexistência de nexo de causalidade entre as obras e os prejuízos e defendendo que a inquilina teria dificultado o andamento dos trabalhos ao recusar sair do imóvel e ao não colaborar na retirada do mobiliário.
A Relação de Évora considerou que parte da impugnação da matéria de facto não cumpria os ónus de especificação impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, designadamente por falta de indicação concreta dos meios de prova, e rejeitou o recurso nessa parte.
Em outros pontos, porém, deu razão ao recorrente, nomeadamente ao corrigir a redação de um facto para esclarecer que os pais da autora “habitaram” o imóvel desde 1962, sem prova documental de contrato de arrendamento nessa data, e ao deslocar um dos factos para a matéria não provada.
No plano jurídico, o tribunal superior confirmou a existência de responsabilidade do senhorio e do nexo de causalidade entre a sua conduta, nomeadamente a falta de comunicação escrita atempada e a ausência de solução concreta de realojamento e os danos sofridos pela inquilina, mas reduziu significativamente o valor da indemnização, nos termos já referidos.
Decisão com impacto nos deveres dos senhorios
Para além dos montantes em causa, o acórdão deixa uma mensagem clara sobre os deveres dos senhorios quando realizam obras profundas em casas arrendadas. Os juízes recordam que o ambiente de obras é incompatível com a habitação normal e que cabe ao proprietário acautelar não só a integridade do imóvel, como também a proteção dos bens e da própria pessoa do arrendatário, sobretudo quando este se encontra numa situação de fragilidade pela idade e pelos baixos rendimentos.
Ao aplicar o artigo 494.º do Código Civil, a Relação teve em conta a idade avançada e a precária condição económica da autora, que vive com uma pensão de velhice de 333,39 euros mensais, bem como a conduta culposa do senhorio, para fixar uma indemnização que considerou adequada e equilibrada nas circunstâncias do caso.
















