Portugal é conhecido pela sua enorme diversidade de peixe e pela tradição de os incluir em pratos típicos que marcam a gastronomia nacional. Mas há uma espécie que, além do sabor, é lembrada pelos efeitos surpreendentes que pode causar, um peixe capaz de provocar verdadeiras alucinações em quem o come.
Conhecido por causar episódios de alucinações visuais e auditivas, o peixe em causa é a salema, uma espécie comum no mar Mediterrâneo e em partes da costa africana. Segundo o jornal brasileiro O Globo, alguns exemplares acumulam toxinas ao alimentarem-se de certas algas, o que pode levar a experiências sensoriais fora do normal.
Um peixe aparentemente inofensivo
De nome científico Sarpa salpa, este peixe exibe faixas douradas no corpo prateado e olhos amarelados. À primeira vista, nada indicaria perigo, mas o que o torna peculiar é a capacidade de provocar alterações neurológicas temporárias após o consumo.
De acordo com o Aquário de Barcelona, a salema é a única espécie conhecida que se alimenta da Caulerpa taxifolia, também chamada de “alga assassina”. Esta planta contém uma toxina, a caulerpina, normalmente evitada por outros animais marinhos.
Da alga ao prato
Ao ingerir esta alga, o organismo da salema converte a substância em neurotoxinas que se acumulam nos tecidos do animal. Quando o ser humano consome o peixe, essas toxinas podem causar sintomas como febre, visões distorcidas e sonhos vívidos, conhecidos como alucinações.
Há registos históricos que indicam que, já no tempo do Império Romano, se conheciam os efeitos alucinogénios deste peixe. Estudos apontam que as vísceras e a cabeça são as zonas onde se concentram as maiores quantidades de toxinas.
Quando a gastronomia ignora os alertas
Apesar dos riscos, a salema continua a ser consumida em certas regiões de França. O seu potencial alucinogénio depende da dieta recente do peixe e do modo de confeção, o que torna impossível prever a reação de cada exemplar.
Os sintomas variam consoante o organismo de quem o ingere. Enquanto alguns casos se limitam a ligeiros desconfortos digestivos, há relatos de episódios intensos que duram mais de um dia, com alucinações e sons imaginários.
Casos documentados pela ciência
Um estudo publicado na revista Clinical Toxicology, intitulado “Hallucinatory Fish Poisoning (Ichthyoallyeinotoxism): Two Case Reports From the Western Mediterranean and Literature Review”, descreve o caso de um homem de 90 anos que sofreu alucinações auditivas cerca de duas horas após consumir Sarpa salpa. O paciente relatou “numerosos pesadelos durante as duas noites seguintes” e apenas recuperou totalmente passados aproximadamente três dias, confirmando que os efeitos da toxina podem prolongar-se muito além das primeiras horas após a ingestão.
No mesmo estudo, a revista descreve o caso de um homem de 40 anos que sofreu alucinações prolongadas após comer salema. O episódio durou cerca de 36 horas e exigiu acompanhamento médico.
Outro incidente, em 1982, envolveu uma família que grelhou pargos sem retirar as vísceras e sofreu visões e sonhos agitados por mais de dez horas. Já em 2002, um idoso de 90 anos, em Saint-Tropez, relatou ter sido perseguido por “animais alados” após uma refeição de salema cozinhada durante horas.
Uma espécie fascinante e organizada
A salema é um peixe gregário, que forma cardumes sincronizados para se proteger de predadores. A sua época de reprodução ocorre entre a primavera e o outono, e é nesse período que o risco de acumulação de toxinas pode aumentar, conforme a presença de algas tóxicas na zona onde se alimenta.
Esta espécie é comum nas águas costeiras portuguesas, especialmente nas zonas rochosas e em fundos de algas do Atlântico e do Mediterrâneo. Segundo a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marinhos (DGRM), integra a lista oficial de espécies marinhas com captura permitida em Portugal, com um tamanho mínimo de 18 centímetros, o que confirma a sua presença regular e abundância nas pescas nacionais.
Pode ser frequentemente avistado ao longo de toda a faixa litoral portuguesa, desde o Algarve até ao Norte, sendo também uma captura habitual na pesca lúdica e profissional.
Recomendações
Os especialistas citados pela mesma fonte recomendam cautela, sobretudo no consumo dos órgãos internos. Embora nem todos os exemplares sejam perigosos, é difícil prever quando o peixe transporta toxinas ativas.
Em suma, a salema continua a ser um enigma do mar: um peixe bonito, apreciado em várias cozinhas mediterrânicas, mas que pode esconder um potencial alucinogénio improvável, e nem sempre inofensivo.
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