Um antigo agente da Polícia Nacional espanhola foi condenado a devolver mais de 76 mil euros à Segurança Social, depois de o Tribunal Supremo ter concluído que recebia simultaneamente o salário de funcionário público e a pensão de reforma. A decisão assenta na incompatibilidade legal entre o exercício de funções remuneradas ao serviço do Estado e o recebimento de uma pensão contributiva.
Tudo começou em fevereiro de 2014, quando o agente, já reformado do Banco Santander, onde trabalhara desde 1985, solicitou à Segurança Social espanhola a pensão do Regime Geral. No pedido, declarou não possuir outras fontes de rendimento.
No entanto, continuava em situação de “segunda atividade” no Corpo Nacional de Polícia, recebendo remunerações públicas e continuando a cotizar para o regime de Clases Pasivas del Estado.
Pensão foi aprovada
Inicialmente, o Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) aprovou a pensão. Mas, em 2016, após revisão do processo, concluiu que o pensionista acumulava indevidamente dois rendimentos públicos e revogou o benefício, exigindo a devolução de 76.139,63 euros, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
O INSS justificou a decisão com base no artigo 213 da Ley General de la Seguridad Social e na Lei 53/1984 de Incompatibilidades del Personal al Servicio de las Administraciones Públicas, que proíbem a acumulação de uma pensão contributiva com rendimentos provenientes do erário público.
O tribunal sublinhou ainda que o Real Decreto 691/1991, que regula o cômputo recíproco de cotizações, não se aplicava ao caso, por estar o trabalhador enquadrado nas Clases Pasivas.
Incompatibilidade total entre a pensão e o salário público
O antigo agente recorreu judicialmente, argumentando que não existia prejuízo económico nem sobreposição efetiva de funções. Contudo, o Juzgado de lo Social n.º 9 de Madrid e, posteriormente, o Tribunal Superior de Justicia de Madrid confirmaram a decisão administrativa.
Ambos entenderam que havia uma incompatibilidade absoluta entre a remuneração pública recebida e a pensão de reforma, uma vez que ambas provinham de fundos públicos.
A decisão final chegou em maio de 2022, através da Sentença 396/2022 do Tribunal Supremo, que manteve integralmente a posição das instâncias inferiores. O tribunal considerou que a chamada “segunda atividade” dos agentes policiais é uma situação administrativa que antecede a reforma, não podendo ser equiparada à aposentação, já que o funcionário mantém vínculo à Administração Pública, continua a receber retribuições e permanece sujeito ao regime disciplinar e hierárquico do ministério competente, de acordo com a mesma fonte.
Dupla remuneração pública proibida
A sentença reforça o princípio de que não é possível acumular duas remunerações com origem nos orçamentos do Estado. O Supremo sublinhou que aceitar essa compatibilidade “significaria violar a proibição de receber mais do que uma remuneração com encargos suportados pelos orçamentos das Administrações Públicas”, concluindo que a pensão deveria ter ficado suspensa enquanto o agente se encontrava na segunda atividade.
O acórdão confirma, assim, a validade da decisão da Segurança Social espanhola e a obrigação de devolver a totalidade dos valores indevidamente recebidos, de acordo com o Noticias Trabajo.
E se acontecesse em Portugal?
Em Portugal, uma situação semelhante seria analisada à luz do Regime Jurídico de Proteção nas eventualidades de velhice e invalidez, consagrado no Decreto-Lei n.º 187/2007, e do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.º 498/72). Ambos estabelecem regras de incompatibilidade entre a perceção de pensões e o exercício de funções públicas remuneradas.
O artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 estabelece que a acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho é livre, exceto nos casos de pensão antecipada, invalidez absoluta ou outras restrições previstas na lei. Em caso de violação, aplica-se a suspensão da pensão e a devolução das quantias recebidas indevidamente.
Casos excecionais
Por outro lado, o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação proíbe expressamente que um aposentado exerça funções públicas remuneradas, a menos que haja autorização governamental ou se trate de funções de interesse público excecional. Caso contrário, a remuneração é suspensa ou o pagamento da pensão interrompido.
Além disso, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014) reforça o mesmo princípio: a acumulação de rendimentos provenientes de cargos públicos com pensões só é permitida mediante despacho de autorização expressa.
Suspensão imediata da pensão
Se um funcionário público português se aposentasse e continuasse a receber vencimentos de um cargo público, estaria, portanto, em violação direta destas normas. O Centro Nacional de Pensões (CNP) ou a Caixa Geral de Aposentações (CGA), consoante o regime, determinariam a suspensão imediata da pensão e a restituição das quantias indevidamente pagas, nos termos do artigo 186.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável a atos administrativos revogatórios.
Tal como em Espanha, o fundamento central seria a proibição da dupla perceção de rendimentos públicos, princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no artigo 103.º, n.º 2, que garante a equidade na utilização dos recursos públicos.
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