Uma trabalhadora do El Corte Inglés, com mais de três décadas de antiguidade, acabou despedida após ser apanhada a consumir produtos do setor de pastelaria sem pagar. A situação foi parar à Justiça e o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha confirmou que o despedimento foi mesmo procedente.
De acordo com o portal espanhol Noticias Trabajo, a funcionária tinha 34 anos de serviço na empresa e um vínculo estável desde o final dos anos 80, com contrato fixo desde julho de 1989 e uma excedência entre 2000 e 2002.
O que parecia ser mais um capítulo de uma carreira longa acabou por mudar abruptamente quando os responsáveis detetaram comportamentos considerados graves.
A trabalhadora deslocava-se ao interior da cozinha para comer pedaços de bolo e outros produtos de pastelaria durante o horário de trabalho. Entre fevereiro e março de 2023, repetiu o gesto em várias ocasiões, sempre sem pagar, como ficou registado em vídeo.
As câmaras revelaram o que se passava
A empresa apresentou gravações internas onde a trabalhadora surge a esconder-se numa zona mais resguardada da pastelaria para consumir os produtos destinados à venda.
Nos autos, é referido que, em algumas ocasiões, nem sequer lavou as mãos depois de manusear os alimentos, o que agravou a avaliação disciplinar.
O El Corte Inglés recordou ainda que a colaboradora tinha sido informada, anos antes, das regras internas que proibiam este tipo de consumo durante o serviço. Em 2015, assinara um documento interno que alertava expressamente para a proibição de consumir ou levar mercadorias sem as pagar, classificando essa conduta como equiparada a furto.
O processo disciplinar avançou
Depois de apurar os factos e confirmar que a prática era reiterada, a empresa optou pelo despedimento disciplinar. A funcionária, que recebia cerca de 1.800 euros mensais, contestou a decisão e alegou que estava a ser vítima de violação da sua intimidade, por uso de imagens de videovigilância captadas no local de trabalho.
A trabalhadora argumentou que as imagens foram usadas indevidamente e que não tinha sido devidamente informada sobre as câmaras na cozinha. Os tribunais tiveram de avaliar se a videovigilância estava devidamente comunicada e sinalizada e se podia ser usada como prova disciplinar.
Tribunal confirma: o despedimento foi legal
O Juzgado de lo Social n.º 1 de Girona foi o primeiro a dar razão ao El Corte Inglés. Considerou que as câmaras estavam colocadas num espaço laboral, que a funcionária tinha sido previamente informada da sua existência e que o seu uso, com fins disciplinares, não violava o direito à privacidade.
A decisão não ficou por aqui. A trabalhadora recorreu para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, que acabou por confirmar integralmente a sentença inicial e declarar o despedimento disciplinar procedente, sem direito a indemnização nem salários de tramitação.
Conduta repetida pesou na decisão
Segundo o TSJ, não se tratou de um ato isolado nem de um lapso pontual. A funcionária consumiu doces sem pagar em 10 ocasiões num período de cinco semanas, sempre numa zona resguardada da cozinha e sem autorização, demonstrando, segundo os juízes, intenção clara de dissimular o comportamento.
Para o tribunal, a repetição da conduta, aliada ao facto de existir formação interna e aviso escrito sobre a proibição, tornou a quebra de confiança demasiado grave para permitir a continuidade da relação laboral.
Convenção coletiva classifica como “falta muito grave”
Segundo a mesma fonte, o acórdão sublinhou ainda que o regulamento interno da empresa e a convenção coletiva do sector dos grandes armazéns são claros quanto ao consumo indevido de mercadoria.
Mesmo considerando os 34 anos de serviço e a ausência de antecedentes disciplinares, os juízes concluíram que a empresa agiu dentro da proporcionalidade, face à gravidade e à repetição da conduta.
Caso volta a expor os limites da videovigilância
De acordo com o Noticias Trabajo, o processo voltou a levantar discussão sobre o uso de câmaras no local de trabalho, mas o tribunal deixou claro que a sua utilização pode ser válida quando serve para controlar o cumprimento das obrigações laborais e quando os trabalhadores são previamente informados, com avisos visíveis sobre a existência e finalidade do sistema de videovigilância.
Na decisão do TSJ da Catalunha, o despedimento foi confirmado e a trabalhadora ficou sem direito a indemnização nem a salários de tramitação, por se tratar de um despedimento disciplinar considerado procedente.
E se fosse em Portugal?
Num cenário semelhante em Portugal, o desfecho provavelmente não seria muito diferente. O Código do Trabalho estabelece que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º).
O consumo reiterado de produtos da empresa sem pagamento, ainda que de valor reduzido, é tipicamente enquadrado como violação grave dos deveres de lealdade e boa-fé, podendo justificar despedimento por justa causa, sem indemnização, desde que os factos fiquem inequivocamente provados. A jurisprudência portuguesa tem admitido o despedimento em casos de subtração de mercadorias do empregador.
Quanto à videovigilância, as imagens podem ser usadas como prova em processo disciplinar se:
O sistema estiver licitamente instalado; os trabalhadores forem informados da existência e finalidade das câmaras; existirem avisos visíveis, e as câmaras não estiverem colocadas em zonas proibidas (como balneários ou zonas de descanso).















