Uma empresa espanhola foi condenada a pagar uma indemnização de 7.501 euros a uma funcionária que foi seguida por um detetive privado durante o período de baixa médica. O caso, divulgado pelo jornal regional espanhol Diario SUR e confirmado por outros meios de comunicação, terminou com uma decisão judicial favorável à trabalhadora, que alegou violação de direitos fundamentais. A sentença determinou ainda a reintegração da funcionária no posto de trabalho.
O início: uma baixa médica que levantou suspeitas
A mulher trabalhava num salão de beleza em Barcelona e encontrava-se de baixa por dores na mão esquerda e nas costas, com recomendação médica de repouso e reabilitação. Desconfiando da situação, a empresa decidiu contratar uma agência de investigação privada para vigiar os seus movimentos durante o período de incapacidade, explica o jornal eldiario.es.
O relatório produzido pelo detetive afirmava que a funcionária frequentava um bar nas manhãs dos dias úteis e que, num dos dias, teria realizado uma manicure a uma colaboradora da agência de investigação, recebendo 35 euros pelo serviço.
Com base nessa informação, a empresa decidiu despedir a trabalhadora por justa causa, alegando quebra de confiança e simulação de doença, apresentando imagens e vídeos como prova.
Tribunal anulou o despedimento
O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC) não teve dúvidas em considerar o despedimento nulo, classificando as provas apresentadas como ilícitas. O acórdão sublinhou que o comportamento imputado à trabalhadora foi “induzido ou provocado” pelo próprio detetive, já que a manicure foi realizada a uma amiga e colaboradora deste, usada como isco para fabricar o caso.
De acordo com o jornal nacional espanhol La Vanguardia, os juízes consideraram que esta atuação ultrapassou os limites da investigação privada e violou o direito à privacidade da funcionária, concluindo que a empresa abusou dos seus poderes disciplinares.
Indemnização e readmissão obrigatória
A decisão obrigou a empresa a reintegrar a funcionária, a pagar os salários em atraso e a indemnizá-la em 7.501 euros por danos morais e laborais. O tribunal entendeu que o relatório produzido pela agência de investigação não podia ser aceite como prova, uma vez que resultou de uma provocação direta.
A trabalhadora argumentou ainda que o despedimento foi uma retaliação pela sua incapacidade temporária e sublinhou que o detetive nem sequer estava presente durante os supostos factos.
O debate sobre a privacidade laboral
O caso reacendeu em Espanha o debate sobre os limites da vigilância empresarial e sobre até que ponto uma entidade patronal pode recorrer a detetives para controlar trabalhadores de baixa médica. Embora a lei espanhola permita a investigação em situações de suspeita de fraude, o recolhimento de provas deve respeitar a proporcionalidade e a privacidade do trabalhador.
Segundo a publicação digital espanhola eldiario.es, a decisão do TSJC estabelece um precedente importante: a vigilância sem fundamento legítimo ou com recurso a indução de comportamentos pode invalidar um despedimento e resultar em pesadas consequências para as empresas.
Este caso tornou-se simbólico por mostrar que o controlo excessivo e a desconfiança podem sair caros, e que, em tribunal, o direito à dignidade do trabalhador fala mais alto.
E em Portugal? O que a lei diz sobre vigilância laboral e despedimentos
Em Portugal, o Código do Trabalho também impõe limites rigorosos à vigilância e recolha de informação sobre trabalhadores, especialmente durante períodos de baixa médica.
O artigo 19.º proíbe expressamente o uso de meios de vigilância à distância para controlar o desempenho ou comportamento dos trabalhadores, exceto em situações de segurança ou proteção de pessoas e bens, e sempre com comunicação prévia à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Já o artigo 16.º do Código do Trabalho consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada, que abrange dados sobre saúde e vida familiar, sendo proibida qualquer ingerência patronal nesse âmbito.
Assim, a contratação de um detetive privado para observar um trabalhador em baixa médica poderia configurar violação grave de direitos fundamentais e resultar em nulidade do despedimento, à semelhança do que aconteceu em Espanha.
De acordo com o artigo 381.º, é nulo o despedimento quando se baseia em factos ilícitos ou em provas obtidas de forma contrária à lei. Nestes casos, o trabalhador tem direito à reintegração e à compensação de todas as remunerações perdidas, acrescidas de juros de mora (artigos 389.º e 390.º).
Segundo o entendimento consolidado dos tribunais portugueses, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a prova obtida com recurso a vigilância privada, gravações ou perseguições fora do local de trabalho é considerada ilícita, salvo se estiver em causa um crime grave e mediante intervenção judicial.
Em síntese, uma empresa portuguesa que contratasse um detetive para vigiar um funcionário de baixa arriscaria não só uma condenação judicial por despedimento ilícito, mas também sanções por violação de dados pessoais e direitos fundamentais, ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e da Lei 58/2019.
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