O continente europeu é um mosaico de ocupações e separações territoriais. Designa-se por “questão ibérica” o facto de apesar das afinidades não existir na Ibéria um só Estado, excepção ao ocorrido no período entre 1580 e 1640.
Os romanos procuraram a unidade política, linguística através do latim, multicultural, com três províncias ibéricas: Tarraconense a nordeste até aos Pirenéus, Bética a sul e a Lusitânia, com sede em Emérita Augusta, Mérida actual, entre o Douro e Guadiana.
A desagregação da monarquia visigoda, bárbaros convertidos no Concílio de Toledo de 589 d.C., originou uma guerra civil. Os filhos do rei Witiza pediram apoio a Julião, governador visigodo de Ceuta, este recorreu ao exército berbere, o que foi designado por “invasão árabe” ou “islâmica”. Tarik e o seu exército não eram árabes, mas “mouros”, no início do século VIII o islamismo ainda não se implantara no ocidente norte-africano.
Mitos providencialistas e dogmas nacionalistas têm dificultado a compreensão porque na Península Ibérica se consolidaram dois Estados, Portugal e Espanha. Nas suas origens estiveram condados e reinos medievais (do séc. VIII a XII): Astúrias, Aragão, Leão, Galiza, Portugal e Castela. A Catalunha teve origem num Principado com cortes próprias.
A centralização monárquica perspetivou a união ibérica. Conhecemos melhor a história política e das realezas, bastante menos as culturas populares, rotas e eixos mercantis.
A passagem do poder visigodo para os berberes deu origem à lenda de que o túmulo de Rodrigo, último rei visigodo, se encontraria em Viseu. Influenciados por Cluny os reinos cristãos implantaram-se com intervenção de ordens monásticas e militares, foram estes apoios que no séc. XII originaram a fundação de Portugal e a tomada de Lisboa aos mouros com ajuda de cruzados ingleses. Nasceu uma nova cultura, o “cristianismo de cruzada”, bem diferente das origens palestinas e que marcaria os séculos seguintes.
O Condado Portucalense (868 -1143 d. C) envolvido por áreas despovoadas era tutelado pelo Reino de Leão. No século XI o sul estava dominado por “taifas” independentes dos reinos do Al Andalus, essa autonomia era normal no regime feudal…
O Cristianismo Medieval proibiu os ritos peninsulares, as reformas de Cluny e os mosteiros foram importantes no reconhecimento de representantes pelo Papa. Lorvão e Guimarães estabeleceram as marcas culturais do novo País, no momento do abandono da escrita visigótica e da profusão dos textos “carolinos” entrados por Santiago de Compostela, devoção ibérica que atraía multidões de peregrinos de além Pirenéus.
Conflitos dinásticos ocorreram entre Portugal e Espanha, a “crise” de 1383-85 resultou na invasão de Portugal pelo rei castelhano e na decisiva batalha de Aljubarrota. Em 1476 Afonso V invadiu Castela, casando-se em Plasencia com Joana de Trastâmara, a herdeira castelhana, proclamando-se rei de Portugal, Aragão e Castela e de uma extensa lista de outros reinos. Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os “Reis Católicos,” por sua vez passaram a designar-se reis de Portugal.
A inconclusiva batalha de Toro originou o tratado de paz de Alcáçovas-Toledo, na década de 90 em Tordesilhas fez-se a repartição dos hemisférios planetários. Tentativas de união ibérica por via matrimonial foram marcadas por azares, a morte do herdeiro de D. João II, o príncipe Afonso, na queda de um cavalo, casado com a filha dos reis católicos. A jovem voltou a casar, com D. Manuel I, o herdeiro Miguel da Paz morreu com dois anos.
Em 1578 a morte de D. Sebastião numa batalha em Marrocos significou a perda da independência. A restauração de 1640 foi reconhecida por Espanha apenas em 1668. As invasões napoleónicas com aliança entre castelhanos e franceses, trouxeram nova invasão a Portugal e confronto ibérico, a Guerra Peninsular (1807-1816).
O “iberismo”, aspiração a um Estado plurinacional unificado, teve o seu auge no século XIX inspirado pelas reunificações alemã e italiana. A concepção centralista, o ultracatólico “espanholismo” emergiu com o “franquismo” e a guerra civil (1936-39). Um plano de Franco para invasão de Portugal em 1940 foi encontrado no arquivo de Simancas, publicado com detalhe pelo historiador espanhol Manuel Ros Agudo.
A História são continuidades, apesar das tecnologias, as antigas questões permanecem.
O “neoiberismo” aponta hoje vantagens demográficas, a Ibéria ultrapassaria a Polónia, surgiria um potente polo económico e um espaço cultural-linguístico mundial com mil milhões de falantes. A “união ibérica” colocar-se-á, talvez um dia, por vontade democrática das nações, sem centralidades ou supremacias, com paz e bem-estar.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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