Durante décadas, muitos trabalhadores por conta própria acreditaram que, ao descontarem regularmente para a Segurança Social, estariam a garantir uma pensão tranquila. No entanto, a realidade que enfrentam quando chega a idade da reforma é, para muitos, um choque difícil de aceitar.
Félix Rodríguez, transportador por contra própria de 65 anos, é um desses casos. Depois de meio século de trabalho e de contribuições regulares, soube recentemente que a pensão que vai receber será de apenas 1.120 euros. A história, contada pelo jornal espanhol La Vanguardia, tornou-se símbolo de um problema que afeta milhares de trabalhadores independentes em Espanha.
Ao longo da vida profissional, Félix pagou o dobro da base mínima de contribuições, acreditando que o esforço extra lhe garantiria uma reforma confortável. Contudo, quando chegou à Segurança Social, percebeu que os números não correspondiam às expectativas. “Depois de trabalhar 50 anos, vou reformar-me em fevereiro com pouco mais de mil euros por mês”, lamentou.
A situação é comum entre quem trabalha por conta própria. Segundo dados recentes, as pensões dos trabalhadores independentes são, em média, 40% mais baixas do que as dos assalariados. Isto deve-se, sobretudo, ao facto de muitos terem contribuído com o valor mínimo permitido ao longo dos anos.
O peso das contribuições mínimas
Durante décadas, o sistema permitiu que os independentes escolhessem quanto queriam descontar, dentro de certos limites. A tentação de pagar menos acabou por se transformar num problema quando a idade da reforma chegou. “O dinheiro que poupavam mês a mês acabou por lhes custar caro na velhice”, explica Daniel García, presidente da União de Trabalhadores Autónomos da Catalunha (CTAC).
Félix, que iniciou a atividade por conta própria em 1995, tentou seguir um caminho diferente. Sempre acreditou que pagar mais garantiria um futuro melhor. Ainda assim, o cálculo final mostrou que o esforço de anos não foi suficiente para assegurar o nível de vida que imaginava. “A pensão é muito inferior ao que esperava. O que me salva é o plano de pensões privado que subscrevi há 30 anos”, contou.
Um plano B para enfrentar a reforma
Com o objetivo de não depender apenas da pensão pública, Félix subscreveu um plano privado de poupança que lhe garante entre 300 e 400 euros mensais adicionais. Ainda assim, não poderá reformar-se já, pois tem dois créditos por pagar e uma hipoteca que só terminará aos 71 anos. “Vou continuar a trabalhar mais uns meses. É a única forma de equilibrar as contas”, admitiu.
A realidade de Félix ilustra um dilema comum: o das reformas curtas face a carreiras longas. Em Portugal, a situação não é muito diferente. De acordo com dados oficiais, os trabalhadores independentes reformados recebem, em média, cerca de 550 euros mensais, muito abaixo do valor médio nacional das pensões contributivas.
O retrato português
Em Portugal, os trabalhadores independentes contribuem com uma taxa de 21,4% sobre o rendimento relevante, mas muitos declaram o mínimo permitido, o que reduz drasticamente o valor da futura pensão. Como os trabalhadores por conta de outrem têm uma contribuição total de 34,75% (11% pagos pelo trabalhador e 23,75% pela entidade empregadora), a diferença é substancial: quem trabalha por conta própria durante décadas e paga o mínimo raramente ultrapassa o valor do salário mínimo nacional quando se reforma.
O problema agrava-se em carreiras marcadas por interrupções, rendimentos irregulares ou períodos sem descontos. Nestes casos, a pensão pode descer para valores particularmente baixos, obrigando muitos reformados a continuar a trabalhar ou a depender de apoio familiar.
Reformar-se exige planeamento
De acordo com o La Vanguardia, especialistas em finanças pessoais sublinham que o segredo para uma reforma digna está no planeamento antecipado. Josep Soler, da EFPA Espanha, alerta que “as pensões públicas pesarão cada vez mais nas contas do Estado” e que “complementar a reforma com poupança e investimento é essencial para manter o poder de compra”.
A Associação de Fundos de Pensões (Inverco) reforça o aviso, lembrando que o planeamento deve começar por volta dos 40 anos. O ideal, explicam, é poupar de forma flexível, ajustando os valores conforme o rendimento disponível, sem penalizações.
Mudanças lentas e desconfiança generalizada
Tanto em Portugal como em Espanha, os governos têm tentado corrigir o desequilíbrio através de novos mecanismos de poupança coletiva. Em Espanha, já existem os Planos de Pensões de Emprego Simplificados (PPES), que permitem deduzir até 4.250 euros por ano. Em Portugal, há propostas semelhantes, mas a adesão continua reduzida.
A desconfiança no sistema e a instabilidade financeira são os principais entraves. Muitos trabalhadores independentes continuam a viver mês a mês, sem margem para poupança, e veem os planos privados como algo distante da sua realidade.
Uma vida inteira de esforço
Apesar de tudo, Félix mantém uma atitude positiva. “Não me arrependo do que fiz. Trabalhei sempre com orgulho e tentei fazer o melhor possível. Agora só quero viver tranquilo e sem dívidas”, afirmou. Segundo o La Vanguardia, o caso deste transportador é o retrato de uma geração que acreditou no trabalho como garantia de futuro, e que agora se confronta com um sistema que nem sempre recompensa esse esforço.
No final de contas, o testemunho de Félix serve de alerta. Reformar-se não é apenas uma questão de idade, mas também de preparação. E, para quem vive do seu próprio trabalho, a diferença entre o que se sonha e o que se recebe pode ser maior do que se imagina.
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