O debate em torno das pensões de viuvez voltou a ganhar força em Espanha e reacendeu uma discussão que também tem eco em Portugal: será justo que quem trabalhou uma vida inteira veja a pensão do cônjuge reduzida a pouco mais de metade? Num contexto de inflação elevada e reformas desvalorizadas, cresce o descontentamento entre os pensionistas que se sentem esquecidos. O caso de uma mulher espanhola de 79 anos, apresentado num programa televisivo, tornou-se o reflexo desse mal-estar.
Criada em 1967, a pensão de viuvez surgiu para proteger as mulheres que, à época, não tinham carreira contributiva e dependiam financeiramente do marido. Com as mudanças sociais e a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, alguns questionam se esta prestação ainda faz sentido tal como está.
No entanto, continua a ser uma ajuda fundamental para muitos lares onde o falecimento do cônjuge representa uma quebra drástica de rendimentos.
Foi neste contexto que o programa espanhol Y Ahora Sonsoles debateu o tema, dando voz a várias pensionistas. Entre elas, destacou-se o testemunho de Charo, de 79 anos, que relatou a sua indignação com a quantia que recebe mensalmente.
“O meu marido descontou toda a vida e eu recebo 52% do que ele ganhava”
Charo explicou que é beneficiária de duas pensões: 1.400 euros de pensão de viuvez e 900 euros de pensão de reforma, o que perfaz 2.300 euros mensais, de acordo com o jornal digital Noticias Trabajo.
Ainda assim, contou que sofreu recentemente um corte de 200 euros, sem perceber a razão. “Somos um grupo de pessoas que, além de termos perdido a nossa outra metade, sentimos também uma grande solidão. E, se a isso se junta uma má remuneração, o problema é grave”, lamentou.
A pensionista centrou as críticas no valor que lhe é pago, sublinhando a injustiça da diferença em relação ao salário que o marido auferia em vida. “O meu marido descontou toda a vida de trabalho para receber um ordenado e a mim pagam-me 52% desse ordenado”, afirmou. Quando a apresentadora lhe perguntou se considerava que recebia pouco, respondeu prontamente: “Eu só quero o que é justo”.
Limites, cortes e o custo de viver com menos
Charo mostrou-se revoltada por não compreender a origem dos cortes na sua pensão de viuvez. “Gostava de saber para onde vai o outro 48%. Se ele estivesse vivo, continuaria a receber o seu ordenado completo. Porque é que eu não posso? E, além disso, tiraram-me 200 euros da minha pensão por causa de um limite que não sei qual é”, desabafou, citada pela mesma fonte.
Indignada, acrescentou que esses limites parecem existir apenas para as pensões, e não para as despesas quotidianas. “Neste país não há limite para pagar a luz, a água, o telefone, a casa ou a comida… para isso não há limite”, criticou.
Questionada sobre se é possível viver com 1.200 euros mensais, valor idêntico ao de muitos trabalhadores espanhóis, respondeu de forma contundente: “Não se vive, sobrevive-se”.
Um retrato de vulnerabilidade na velhice
No final da conversa, Charo deixou uma mensagem que emocionou muitos telespectadores. “Temos uma idade importante e os poucos anos que nos restam deviam ser tranquilos. Não tenho de andar a fazer contas todos os meses quando trabalhei toda a vida para ter uma vida digna”, afirmou.
As suas palavras, de acordo com o Noticias Trabajo, resumiram o sentimento de frustração de milhares de pensionistas que se veem obrigados a esticar cada euro depois de décadas de trabalho.
Situação em Portugal
Em Portugal, o equivalente à pensão de viuvez é a pensão de sobrevivência, prevista nos artigos 78.º a 83.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro, e complementada pelo Decreto-Lei n.º 142/2015, de 31 de julho. De acordo com o artigo 79.º, a pensão de sobrevivência é concedida ao cônjuge sobrevivo ou unido de facto que dependia economicamente do falecido.
O artigo 80.º estabelece a regra base: o beneficiário tem direito a 60% do valor da pensão que o falecido recebia, podendo este valor variar se existirem outros dependentes, como filhos menores ou inválidos.
Se uma situação semelhante à de Charo acontecesse em Portugal, a viúva manteria o direito à pensão de sobrevivência, mas veria o valor reduzido pela acumulação de rendimentos, tal como acontece quando alguém recebe simultaneamente pensão de velhice e pensão de sobrevivência.
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