Em julho o Governo apresentou um novo plano de desconfinamento com base no avanço da vacinação em Portugal. Há duas semanas este mesmo plano foi antecipado e, a próxima fase, que estava prevista só para outubro, pode estar mais perto que nunca. Afinal, temos já 85% da população com pelo menos uma dose, segundo os últimos dados disponíveis. E é por esta fase que bares e discotecas tanto aguardam depois de 17 longos meses fechados. Mas nem a ligeira reabertura ajudou a recuperar alguma coisa.
Desde março de 2020, quando surgiram os primeiros casos de covid-19 em Portugal, até ao momento, ora se desconfinava, ora se confinava, ora se fechavam ou libertavam concelhos. Andámos para trás e para a frente, mas houve um negócio que esteve sempre fechado nos últimos 17 meses: os bares e discotecas.
Mas nem todos, certo. Alguns mudaram o CAE (classificação das atividades económicas) para poderem abrir como cafés ou restaurantes, tendo o Governo, em agosto do ano passado liberado estes estabelecimentos da obrigatoriedade de alteração do CAE. “Passam a poder funcionar como cafés ou pastelarias, sem necessidade de alteração da respetiva classificação de atividade económica, se cumpridas as regras da DGS e os espaços destinados a dança permaneçam inutilizáveis para o efeito”, revelou na altura a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, referindo-se aos bares e discotecas.
No entanto, rapidamente chegaram notícias de que a medida não estava a ter adesão nas principais zonas de diversão noturna, como Lisboa, Porto e Algarve.
Mas este verão as coisas estão diferentes pois a vacinação já entrou em “velocidade cruzeiro”. Por essa mesma razão o Café Lusitano, casa clássica no Porto, decidiu reabrir em agosto. “Abrimos agora dia 4 de agosto como restaurante porque foi pensado em outubro, mas veio a segunda vaga, depois a terceira e fomos sempre adiando pois não tinha sentido abrir para fechar. Visto que a vacinação estava a avançar, abrimos agora”, explica ao Expresso o dono da histórica casa, Mário Carvalho.
Cerca de 100 quilómetros para baixo, em Viseu, o Ice Club também reabriu portas este verão, ainda que ligeiramente mais cedo que o Lusitano. Aliás, houve ainda uma tentativa de reabrir em 2020, em novembro, mas durou apenas dois fins de semana, pois as regras voltaram a apertar.
Agora o Ice Club abriu no final de junho com o “objetivo de aproximar o negócio aos clientes”, conta ao Expresso Olavo Sousa, dono do Ice e de mais quatro estabelecimentos. O Ice é o único dos cinco que conseguiu abrir pela sua dimensão e por ter esplanada, as outras continuam fechadas pois “não vale a pena”. “À partida em outubro”, atira, com esperança.
Quer o Ice, quer o Lusitano não tiveram de fazer alterações ao CAE – não só por já não ser necessário, como já tinham o CAE necessário associado à atividade secundária. Mas toda a situação relacionada com o CAE pode “trazer consequências futuras”, na opinião de António Fonseca da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto. Isto porque gera “confusão no setor” pois “acabam por estar uns contra os outros”, diz, referindo-se à possível competição entre bares, discotecas com restaurantes e cafés.
Independentemente da mudança, ou não, de CAE, o que acontece é que “as discotecas como a gente as conhece mantêm-se fechadas”, aponta José Gouveia, da Associação Nacional de Discotecas. “Na prática, quem tinha espaço ao ar livre aproveitou para transformar em bar mais acessível para as pessoas. Não veio alterar nada”, conta, dando ainda o exemplo do “Lá no Rio [antigo Lust in Rio, em Lisboa] que não mexeu na discoteca, simplesmente fez um aproveitamento da sua área exterior e parte interior para transformar num restaurante, mas foi um grande investimento que foi feito ali”.
INVESTIMENTOS AVULTOSOS PARA MAGRAS RECEITAS
Os bares e discotecas que decidiram alterar o seu espaço tiveram que esvaziar as suas carteiras. Que o digam Olavo e Mário, que passaram ambos por isso nos seus espaços.
No Ice Club, além de negociarem com os senhorios para conseguir alguma benesse, as poupanças foram-se todas. “Gastámos todas as reservas financeiras que tínhamos. A banca para o nosso setor está completamente encerrada, não nos apoia de forma alguma, o Estado as poucas ajudas que da é para tapar buracos que já estavam abertos [antes da pandemia]”, refere o dono do espaço.
Já o Café Lusitano, além das poupanças esgotadas, teve a sorte de poder contar com financiamento bancário. Fazendo contas de cabeça, diz ao Expresso que “devem ter sido uns 30 mil euros, pelo menos” para remodelar todo o espaço.
Se aos investimentos estivesse associado uma grande retoma, não havia problema, mas não está. Olavo Sousa diz, inclusive, que o final de junho e o mês de julho foram alturas de prejuízo. Segundo o responsável, agosto já foi melhor, graças ao alargamento do horário dos estabelecimentos que levou mais gente ao Ice, mas de forma geral ia no mesmo caminho que os meses anteriores.
“Neste formato não é possível ter grande lucro. Estamos reduzidos a menos de 10% da nossa capacidade (…) são espaços grandes, bem localizados e por isso muito caros, os preços dos equipamentos são altíssimos”, explica.
A situação é partilhada no Porto, no Café Lusitano. Mário fala ao Expresso ainda antes de fechar as contas do mês de agosto, mas a sua previsão não é muito animadora. “Ao ter as pessoas sentadas temos se calhar um quinto da lotação que tínhamos habitualmente, logo isso difere muito em termos de faturação. Abri na expectativa de poder rodar a equipa, não na esperança de ter lucro. Não vai dar lucro, vou ter prejuízo. Os encargos são maiores, são mais funcionários (cozinheiras, empregados de mesa) e a faturação é muito menor.”
Mesmo as associações do setor com quem o Expresso falou concordam que esta é a realidade do setor: abrir ainda não compensou e a recuperação do tempo e dinheiro perdidos ainda está longe.
A nível de recuperação Mário Carvalho não tem as melhores previsões pois “o défice com que a empresa ficou foi muito grande, em 2020 não houve entradas de dinheiro, em 2021 arranca já quase no final do ano e também será um ano negativo”. Por isso, pensa que “a recuperação do prejuízo, a correr tudo bem, demorará uns anos, deduzo que mais de seis anos”.
DISCOTECAS QUEREM ABRIR JÁ
Tendo em conta que já 85% da população tem a primeira dose da vacina, as discotecas já deveriam estar a abrir como as conhecemos (ainda que com regras sanitárias), de acordo com o plano de desconfinamento, mas ainda não houve sinais por parte do Governo que tal fosse acontecer em breve.
Mas a Associação Nacional de Discotecas quer que estes espaços abram já na segunda quinzena de setembro para testar a situação. José Gouveia considera “errado abrir numa fase em cima da época das gripes sazonais”, em outubro.
Além do mais, relembra que “já muito poucos voltarão a abrir, pois as falências andam à volta dos 70%”. “Algumas casas míticas de Lisboa não vão voltar a abrir”, declara.
Já António Fonseca, partilhando da mesma opinião, pensa que já se devia ter aberto as discotecas durante o verão – a melhor altura para testar o funcionamento das mesmas. “A partir do momento em que o espaço tem tudo, tem higienização, e só entra quem tem teste negativo, não faz sentido as discotecas continuarem fechadas”, diz.
Além da abertura em pleno – leia-se, com dança permitida – os dois proprietários e também os representantes das associações pedem mais apoios para o setor, especialmente pela manutenção dos espaços que agora se encontram deteriorados depois de tanto tempo fechados.
A AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal também tem insistido na reabertura imediata destes espaços. Ainda na terça-feira, em comunicado, referiu que “à semelhança do que sucedeu com a segunda fase de desconfinamento, também a terceira fase, inicialmente prevista o mês de outubro, poderá ser antecipada. De acordo com o plano apresentado pelo Governo, a passagem à última fase de desconfinamento decorrerá quando o país atingir a meta de 85% da população vacinada. No entanto, e de acordo com os dados existentes, esta meta será atingida muito antes do inicialmente esperado”.
“Desta forma, e na senda do que sucedeu com a passagem à segunda fase de desconfinamento, Portugal poderá antecipar a última fase de alívio de regras, com a reabertura dos espaços de animação noturna (condicionados à apresentação de certificado digital válido ou teste negativo) e com o fim dos limites à lotação dos espaços (quer para eventos de natureza familiar, como casamentos e batizados, quer para eventos culturais) e ao número de pessoas por mesa nos estabelecimentos de restauração e bebidas”, refere a associação.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso