Quando o programa DiVaM 2018 (Dinamização e Valorização dos Monumentos) anunciou como tema deste ano a permissa Património – que Futuro? imediatamente a questão me levou a pensar que sem património imaterial não pode haver património material – parte tudo das pessoas, da sua existência, da fixação de grupos em determinado território e da sua relação com este e com a comunidade, na qual se inserem e que desenvolvem.
Parecendo isto óbvio, nem sempre tomamos o tempo para observar as flutuações do que está e é, do que se transforma e do que se extingue. A mentalidade, crenças e tradições de determinado grupo manifesta-se em certo espaço temporal, deixando marcas edificadas, no caso de património arquitectónico, mas também noutras formas: música, gastronomia, contos, escrita, tradições e modos de fazer e de viver. Neste sentido, há sempre uma janela de tempo e espaço que se abre quando um realizador resolve documentar um local, uma comunidade, um saber – nestes documentários, que podemos designar quase como arqueologia contemporânea, pela sua ligação simbiótica à vida das pessoas e regiões podemos realmente colocar a questão: Património – que futuro? Não é fácil responder, dadas as circunstâncias actuais, mas podemos tentar através da visão destes realizadores, que trabalham com pessoas vivas, com o presente que ainda subsiste, com ligações ao passado mas com vivências contemporâneas. São documentários contemplativos, artísticos e com pouca interferência dos realizadores que assumem o papel do observador, deixando as situações e pessoas entregues ao seu próprio ritmo, como uma janela aberta para a vida real.
Um Mar de Filmes tem como inspiração no nome a expressão popular “um mar de gente”, porque de pessoas se trata nesta mostra, mas também o facto de agregar na sua programação uma ligação ao elemento mais forte que a todos nos envolve de uma forma ou de outra: O Mar – património ambiental da Humanidade, património de subsistência desta região, património e atracção turística, e agora mais do que nunca, como todos sabemos, património em risco.
Esta mostra de cinema documental português e de cariz etnográfico, partiu também da vontade de se recuperar a experiência do cinema ao ar livre para a comunidade, sendo que o Algarve oferece condições climáticas, paisagísticas, e históricas mais do que propícias. Além disso, a escassez de oferta de mostras e festivais na área do audiovisual/cinema na região, cria uma distância em relação à criação nacional contemporânea sobre temas portugueses ou de proximidade ideológica e situacional de jovens realizadores, que acabam por circular em festivais internacionais, muitos deles premiados, sem terem visibilidade dentro do próprio país, que é do que afinal, fala o seu trabalho – no fundo são trabalhos sobre a nossa memória, e sem memória não há futuro.
A programação da mostra Mar de Filmes contou com cinco exibições distribuídas por Fortaleza de Sagres, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe e Monumentos Megalíticos de Alcalar, com os filmes Mar de Sines, de Diogo Vilhena; É na Terra não é na Lua, de Gonçalo Tocha; Pedra e Cal, de Catarina Alves Costa; A Mãe e o Mar, de Gonçalo Tocha; e no encerramento Medronho Todos os Dias, de Sílvia Coelho e Paulo Raposo, filmado na Serra de Monchique. Os locais escolhidos são de uma riqueza histórica e patrimonial importante, privilegiando a sua valorização e actuando como um elo que interliga os outros elementos: o artístico com a comunidade, transformando- se em lugares vivos e onde o diálogo se continua a exercer, em permanência numa ligação estreita com elementos locais e regionais.
A adesão do público foi excelente, superando em alguns casos as expectativas e conquistando espectadores habituais que se deslocaram às várias sessões nos diferentes locais. Este projecto foi possível graças à Rizoma Lab – Asscociação Cultural de Lagos e ao apoio e enquadramento do programa DiVaM da Direcção Regional de Cultural do Algarve com a participação de autarquias e outros patrocínios.
Esperemos que seja um ano zero de uma mostra necessária e complementar a outro tipo de eventos culturais que o Algarve já tem vindo a desenvolver e que cada vez conquista com mais expressão e afirmação.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Outubro)