“Desta vez eu voto” é uma campanha do Parlamento Europeu que não consiste em aconselhar em quem as pessoas devem votar, mas sim em defender o próprio acto de votar, de participar no processo democrático, tal como o acto de o fazer de uma forma consciente e plenamente informada. Assim, foi criado o site www.destavezeuvoto.eu precisamente para aproveitar o potencial da interacção entre pessoas e criar uma comunidade de apoiantes em toda a Europa, que suportem a causa do voto, defendendo a própria ideia de democracia. No fundo, é a ideia de que todos juntos podemos decidir em que Europa queremos viver.
Creio que o desejo de uma Europa com qualidade de vida e com paz está presente em cada europeu, seja mais ou menos europeísta, e está presente desde o início da aventura europeia.
Na passada semana estive em Bruxelas, numa comitiva, em visita às instituições europeias, sediadas no Bairro Europeu, também designado Bairro Schuman.
A figura de Robert Schuman, advogado, ministro francês dos Negócios Estrangeiros e Presidente do Parlamento Europeu, tem alguns aspectos invulgares e que vale a pena salientar.
Como sabemos, a Declaração Schuman, apresentada a 9 de Maio de 1950, pelo mesmo, é um documento que está na origem da caminhada europeia e onde se pode ler o seguinte, nas primeiras frases:
“A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criadores à medida dos perigos que a ameaçam.
A contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas.”
Robert Schuman: espírito criador
Entre 1941 e 1943 Schuman referiu, por diversas vezes, diante de interlocutores que ainda não percebiam o alcance das suas palavras, a necessidade de “construir, após a guerra, uma realidade política nova que ligaria as nações europeias pelos seus interesses, e não mais apenas por palavras e pactos”.
Tratava-se de um político com visão, um dos fundadores do projecto europeu, cuja vida está retratada em livros e variadíssimos testemunhos. André Philip (1902-1970), deputado e várias vezes membro do governo francês, disse: “o que mais me tocou nele foi a irradiação da sua vida interior: estávamos diante de um homem consagrado… de uma total sinceridade e humildade intelectual, que apenas queria servir”.
A vida de Robert Schuman foi repleta de bons exemplos, tendo sido aberto um processo de beatificação em 1990. De acordo com o Vaticano foram ouvidas 200 testemunhas, o processo conta com 50 mil páginas e encontra-se na Congregação para as Causas dos Santos na Santa Sé.
Em 2004 foi declarado Servo de Deus, o primeiro passo para a beatificação. Há um testemunho no seu processo de beatificação que diz: “Ficará na memória daqueles que o conheceram como a imagem do verdadeiro democrata, imaginativo e criador, combativo na sua doçura, sempre respeitador do homem, fiel a uma vocação íntima que dava o sentido à vida.”
No seu percurso a fé cristã e a acção política formam um todo, e apesar de duas áreas distintas, a sua fé determinou todo o seu empenho e iluminou a sua acção política.
A 19 de Março de 1958 no Parlamento Europeu declarou: “Todos os países da Europa são permeados pela civilização cristã. Ela é a alma da Europa que se precisa restituir”.
No seu livro Pour l’Europe afirma: “Este conjunto [de povos] não poderá e não deverá permanecer como uma empresa económica e técnica. É preciso dar-lhe uma alma. A Europa não viverá e não se salvará senão na medida em que tiver consciência de si mesma e das suas responsabilidades, quando voltar aos princípios cristãos de solidariedade e de fraternidade”.
A fé e a prática política não são incompatíveis, pelo contrário e Schuman é exemplo disso. “O centro da espiritualidade que o animava era a Palavra de Deus, tendo orientado as suas acções”.
Da contemplação e da oração aprendeu a sentir-se instrumento nas mãos de Deus, tendo escrito em 1960 que: “Somos todos instrumentos, mesmo imperfeitos, da Providência, que se serve de nós para desígnios que nos superam”.
Acredito que a Europa que desejamos tem estes valores de serviço e entrega, porque a política é um acto nobre, independentemente da fé, mas se ela existir, que exista sempre a liberdade e a coragem de a expressar ou assumir.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de março)